O enorme ‘mercado da falsificação’ e o combate aos criminosos
‘Nossa Conversa’, podcast da Jovem Pan News, comandado por Wanderley Nogueira, recebeu o advogado Rodolpho Ramazzini, presidente da Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF)
O “Nossa Conversa”, podcast da Jovem Pan News, comandado por Wanderley Nogueira, recebeu o advogado Rodolpho Ramazzini, presidente da Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF). Durante a entrevista, Ramazzini falou sobre os enormes prejuízos que a falsificação de produtos causa à economia brasileira e como isso afeta diretamente a saúde pública. Além disso, ele explicou sobre as medidas que estão sendo tomadas para enfrentar essa realidade.
Wanderley Nogueira: Nós estamos com o advogado e diretor da Associação Brasileira de Combate à Falsificação, o doutor Rodolpho Ramazzini. Lembrando que a associação foi fundada em 1992, tem uma larga caminhada. É uma entidade sem fins lucrativos e que atua, como eu repito, no combate aos crimes de fraude, falsificação, pirataria e contrabando. Os associados dessa associação, o doutor Rodolpho vai dizer quem são. As indústrias, as empresas, enfim, aqueles que têm interesse em combater, evidentemente, a falsificação e evitar enormes prejuízos, não só para as empresas, mas também para a receita do país. Doutor Rodolpho, um grande abraço, obrigado pela gentileza e por nos atender.
Rodolpho Ramazzini: Wanderley, é um prazer estar aqui com você, para poder tratar de um assunto tão importante, que impacta tanto na vida dos brasileiros.
Wanderley Nogueira: Rodolpho, começando, estava dando uma olhadinha hoje na redação, tinha um cara lá usando uma camisa, eu pensei que era falsa, mas era verdadeira. A camisa do Corinthians ele comprou oficialmente na loja, aquele negócio todo. Eu falei, vou perguntar para o Rodolpho sobre enxugar gelo, camisas de clubes falsificadas. Eu queria que você falasse um pouquinho sobre isso.
Rodolpho Ramazzini: É um problema que vem crescendo ao longo dos anos, porque a partir do momento que você agrega mais valor no produto original e ele fica mais caro, o consumidor das classes C, D e E tem mais dificuldade de comprar esse produto. E com a facilidade do comércio eletrônico hoje, chega muita camisa falsificada de internet para os nossos consumidores, que acabam comprando camisas principalmente advindas da Tailândia, da China, que entram via Correios aqui no Brasil e causam grande prejuízo para os clubes e para os detentores de marca. Mas é um produto que, via de regra, é feito no exterior e está havendo agora um novo trabalho de controle feito pela Receita Federal, na Central de Correios de Curitiba, para tentar segurar um pouco desse volume que entra no mercado brasileiro. Causa um grande prejuízo de cerca de 15 bilhões de reais por ano na falsificação de artigos esportivos aqui no território brasileiro.
Wanderley Nogueira: Doutor Rodolfo, aparentemente, o mercado de falsificação não tem limites. Vou aproveitar a sua presença para matar a curiosidade, não só minha, mas de muita gente que acompanha, sem dúvida, a nossa conversa. Remédios falsificados. Eu queria que você falasse um pouquinho sobre esse tema.
Rodolpho Ramazzini: Nos anos 90 teve um boom de falsificação de remédios no Brasil e meu pai, na época, trabalhou bem com a Anvisa e com a Polícia Federal e acabou debelando diversas fábricas de remédios falsificados aqui dentro do Brasil. Hoje os nossos problemas são pontuais com esses remédios novos para emagrecer, como o Ozempic. muitas fraudes desses medicamentos para emagrecimento, muitas fraudes também em anabolizantes, em abortivos e em produtos para disfunção erétil. Os produtos para disfunção erétil falsificados, os viagras genéricos, eles vêm hoje da Colômbia e do Paraguai, não têm a mesma quantidade de princípio ativo, não têm a bioequivalência e são perigos para a saúde do consumidor, que às vezes acaba comprando esses produtos em farmácias legalmente estabelecidas. e tendo um grande prejuízo em termos de saúde pública, razão pela qual a ABCF vem combatendo isso com afinco, junto com as autoridades.
Wanderley Nogueira: Doutor Rodolpho, alimentos, azeite, vinho e alimentos. Quando eu estive conversando com o doutor Rodolpho na sede da empresa de advocacia dele, que também participa dessa luta contra a falsificação, combatendo a falsificação, eu vi lá, tem uma galeria de produtos, entre eles… Isso, né? cerveja, amortecedores de automóveis, as peças, as autopeças que o dono do veículo compra como se fossem originais ou que vem da fábrica original e depois descobre que o produto é falsificado. Mas eu queria que você falasse um pouquinho sobre alimentos.
Rodolpho Ramazzini: As fraudes no mercado de alimentos, que é vender o literal gato por lebre, elas vêm crescendo no mundo, hoje elas já representam aí um volume muito grande, com a subida dos preços de alguns produtos específicos no mercado brasileiro no longo dos últimos meses, como foi o caso do azeite, as fraudes, as falsificações desse produto aumentaram consideravelmente e a gente vem combatendo isso em conjunto com o MAPA, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, com a inteligência do MAPA e com as polícias para debelar essas fontes produtoras.
No caso do azeite, eles misturam óleo vegetal de outros tipos no azeite para baratear esse produto. coloca o rótulo de produtos espanhóis e portugueses e põe isso no mercado, causando prejuízo para o consumidor. Mas a gente também tem falsificação de leite em pó, falsificação de atum, falsificação de farinha de trigo. A gente verificou no mercado ultimamente também um aumento na falsificação de produtos correlatos, como também as bebidas, enfim. Isso vem crescendo, essas fraudes, principalmente vendidas em mercado de médio e pequeno porte, nas periferias das grandes cidades. E sempre que essas denúncias chegam, a gente verifica e posteriormente encaminha para a polícia para que acabem prendendo esses produtos e chegar na fonte de contador ou no importador que está fazendo isso. Todo produto que tem um alto valor agregado, tem um imposto um pouco mais alto, como é o caso do azeite, eles acabam sendo vítimas dessas partilhas de fraudadores e falsificadores.
Wanderley Nogueira: Cervejas, refrigerantes, detergentes, tênis, para a gente não estender todos os produtos que você mostrou que eu fiquei surpreso. Também isso, eu perguntava para o doutor Rodolpho, também isso é falsificado? Quer dizer, tudo isso é dessa maneira, né? Tênis, por exemplo, você mostrou lá, vários são falsificados.
Rodolpho Ramazzini: Nós temos um problema aqui no Brasil, além dos produtos que vêm da China, que representam 65% da muamba que entra no Brasil, os produtos que exigem uma menor sofisticação tecnológica, como as camisetas, muita coisa acaba sendo feita localmente em fábricas clandestinas dentro do Brasil. As principais fontes de tênis falsificados no Brasil são as cidades de Franca e de Nova Serrana, em Minas Gerais, de onde, além de ter um polo passadista sério e com empresas idôneas, também têm os calçados mais estabelecidos que produzem esse tênis falso, jogam no mercado brasileiro. E no que diz respeito às bebidas, nunca se falsificou tanta bebida no Brasil.
O Brasil tinha um problema pontual com a falsificação de bebidas até o ano de 2010, 2011, e a gente vinha controlando isso com as autoridades. Aí se estabeleceu um sistema de controle de produção de bebidas da Receita Federal e da Casa da Moeda, que rastreabilizava a produção. Quando isso foi colocado, as falsificações despencaram, a sonegação despencou, o governo aumentou a arrecadação, e ficou mais difícil para o falsário obter insumos para falsificar bebidas. Só que no final do governo Temer, desligaram esse sistema de produção e rastreabilidade de bebida, em dezembro de 2016, apesar da lei ainda estar em vigor. De lá para cá, isso escalonou tremendamente. Só no ano passado nós fechamos 78 fábricas clandestinas de bebidas no Brasil.
Esse ano, até agosto, nós já fechamos com as autoridades 64 fábricas de bebida clandestina, onde se manuseia essas bebidas sem nenhuma higiene, sem nenhum controle. É um perigo para a saúde do consumidor. E a ABCF vem brigando junto ao governo para retomar essa rastreabilidade de produção de bebidas no mercado brasileiro, tanto para inibir a sonegação, como para dificultar a vida das palheiras de falsificadores e obter insumo, garrafa, tampinha, rótulo, líquido, para falsificar a bebida. Hoje, a principal bebida falsificada no mercado brasileiro é a cerveja, mas também se falsifica bastante destilado, além do contrabando de vinho e das falsificações de vinho que vem do Mercosul. Então, é um problema que é grave em termos de arrecadação e principalmente em termos de saúde pública para a nossa população, que compra gato por lebre, paga preço de original e consome um produto ilegal, falsificado, manuseado sem engenho.
Wanderley Nogueira: Tudo isso provoca muitas perguntas. Uma delas, como é que entra tudo isso?
Rodolpho Ramazzini: Nós temos um problema grave, Wanderley, que é a extensão territorial do Brasil. Você tem um país que tem portos de Belém do Pará, Rio Grande, que não tem 3 mil agentes para fazer desembarque de contêineres. Você está em Rotterdam, Holanda ou Hamburgo, na Alemanha… tem 3 mil agentes naquele porto para fazer desembaraço. Aqui no Brasil você não tem tanta gente lotada nos portos para fazer o controle do que entra no nosso país, então a fiscalização é feita só por amostragem ou quando existe alguma suspeita. Os agentes da Receita que trabalham nesses locais são abnegados, fazem muitas apreensões, mas a quantidade de agentes é ínfima para controlar o volume de produtos que chegam no Brasil todos os dias. E do outro lado nós temos uma fronteira de 14 mil quilômetros dos países limítrofes, onde o Brasil tem só 28 postos de fiscalização. É muito pouco. Isso faz com que os falsários, os contrabandistas, tenham uma facilidade muito grande para introduzir produtos ilegais no mercado brasileiro, dada essa porosidade das nossas fronteiras e dos nossos portos. Por isso, entra muita coisa errada no território brasileiro. E as quadrilhas de crime organizado que mexem com isso nas áreas de fronteira, são as mesmas que colocam drogas e armas nos grandes centros do Brasil, razão pela qual esse combate tem que ser feito com afim, porque é o crime organizado ganhando dinheiro e maximizando os lucros que ele já tem com o tráfico e o contrabando de armas, com falsificação de produtos também que são introduzidos no Brasil.
Wanderley Nogueira: Doutor Rodolpho, as empresas prejudicadas, aquelas grandes indústrias, algumas que falamos aqui de passagem, aqueles que produzem corretamente os produtos, eles é que, digamos, provocam a ação da associação que combate a falsificação ou as autoridades? É deles que parte a denúncia ou chega de uma outra maneira?
Rodolpho Ramazzini: A ABCF tem diversos canais de denúncia, através dos quais a gente recebe informações do próprio consumidor, que faz denúncias para a gente, de autoridades que se deparam com alguma coisa, e também, principalmente, do setor produtivo, da indústria. Quando ela recebe uma denúncia no seu SAC, essa indústria, que é a nossa sociedade, a ABCF, ela repassa essa informação para que o nosso time possa fiscalizar, verificar essa denúncia, e no caso dela proceder, tomar medidas cabíveis em conjunto com as autoridades. Então, é um misto de indústria, autoridades e consumidores, todos procurando a ABCF para que nós possamos centralizar essas informações e repassar para quem de direito, para poder combater isso de uma maneira efetiva e tentar proteger o consumidor brasileiro de consumir produtos ilegais.
Wanderley Nogueira: Concluída a investigação e identificado o local onde se produz o produto falsificado, o que acontece a partir daquele momento? Houve a investigação, vocês identificaram que no “ponto x” é lá que se produz o tênis ou o alimento falso, enfim, os produtos são falsificados, o que acontece a partir daquele momento?
Rodolpho Ramazzini: A partir desse momento, a ABCF prepara uma notícia-crime e encaminha para a autoridade do fato, ou seja, a autoridade daquela localidade mais indicada para combater aquele problema. Pode ser a Polícia Federal, a Receita Federal, a Polícia Civil, a vigilância sanitária, depende muito do produto. No caso de combustível, pode-se procurar, inclusive, a ANP, para que essa organização pública possa tomar a medida de fiscalização e busca e apreensão no local. Medida essa que nós acompanhamos sempre em loco, para que tudo saia redondo. Nós fazemos questão de acompanhar in loco essas medidas para dar todo o suporte às autoridades, seja suporte logístico, técnico, operacional, para que essa diligência seja feita da melhor maneira possível. Sem esse apoio, sem esse acompanhamento da ABCF, é muito difícil que a autoridade tenha conhecimento necessário para identificar aquele produto, ou mesmo estrutura para poder lidar com os volumes que são apreendidos, por isso que o trabalho da ABCF, em conjunto com as autoridades, é tão importante para ajudar a debelar essas fontes de mercadoria legal no Brasil.
Wanderley Nogueira: Doutor Rodolpho, e o que é que acontece com os falsificadores e com os produtos apreendidos?
Rodolpho Ramazzini: Quem é pego falsificando, por exemplo, um produto de consumo direto do ser humano, como bebidas, alimentos, remédios, produtos cirúrgicos hospitalares, ou mesmo cosméticos, xampus, produtos de limpeza, pode responder por crime contra a saúde pública, que é um crime com penas altas, de 5 a 8 anos de reclusão, crime esse inafiançável. Nesse caso, as penas são pesadas em cima das quadrilhas que estão envolvidas na comercialização desses produtos ou na produção. Agora, quando a pessoa é pega falsificando, por exemplo, uma camiseta, uma auto-peça, ela responde por crimes menores, como o crime contra a relação de consumo, a falsificação, estelionato, e aí as penas são um pouco menores. Nesses casos, a gente tenta trabalhar nas investigações para juntar com esse crime da falsificação, a formação de quadrilha, a organização criminosa, a lavagem de dinheiro, porque aí as penas comutadas aumentam e a punibilidade de quem é pego comercializando, importando ou reproduzindo esse produto é maior. A ABCF faz esse trabalho para tentar orientar também as autoridades para que sejam feitas as ações punitivas da melhor maneira possível, para não só dar o prejuízo financeiro no falsário, mas também que ele seja autuado e responda criminalmente, civilmente, pela fraude que ele está cometendo no mercado. Alguém colocar um azeite fraudado ou uma bebida fraudada no mercado é um crime contra a saúde pública. E via de regra, se as pessoas não são pegas, ficam presas em flagrante delito.
Wanderley Nogueira: Doutor Rodolpho, os comerciantes são vítimas ou são parceiros dos falsificadores?
Rodolpho Ramazzini: Em 80% dos casos, são parceiros dos bandidos, infelizmente. Tem o comerciante que acaba comprando sem saber algumas vezes, paga preço de original e é lesado. Mas via de regra, o comerciante faz essa compra do produto ilegal, exatamente para maximizar seus lucros. Por exemplo, ele vai e compra uma cerveja falsificada, uma cerveja de falsificador a R$3,00 para vender ela gelada a R$15,00 para o seu consumidor. Ele está, assim, maximizando as suas margens de lucro, em detrimento da saúde do consumidor e dos prejuízos que isso pode acarretar. Esses comerciantes, quando são pegos, eles respondem, junto com quem forneceu o produto, pelos crimes cometidos. E esse é o perigo. O consumidor ir, por exemplo, em um shopping popular, de comércio popular, aqui na região do Brás, na 25 de março, comprar uma camiseta mais barata, sabendo tratar-se de um produto falsificado é uma coisa. O consumidor, comprar no supermercado, numa farmácia, numa loja, um produto ilegal, pagando o preço de original e achando tratar-se de um produto original, aí o problema já é outro, porque aí o consumidor está literalmente sendo enganado e comprando gato por lebre.
Wanderley Nogueira: Em cima disso, para o consumidor simples mortal, é difícil saber o que ele está comprando, se é falso ou não. Ele compra um litro de azeite, por exemplo, que tem uma embalagem perfeita, está lacrada. Quer dizer, é muito difícil, não é, doutor?
Rodolpho Ramazzini: Exato. Você vai ao supermercado, onde você está habituado a comprar. Você vê uma marca de azeite lá que está com preço mais baixo, ou uma bebida, você confia naquele mercado onde você está habituado a comprar. Você compra achando que tudo que está naquela prateleira tem uma procedência legal. E, infelizmente, a gente acaba comprando, às vezes, nesses mercados, nessas farmácias, nessas empresas, produtos ilegais que aquele revendedor comprou para maximizar suas margens em detrimento da saúde do consumidor. Por isso que a gente orienta o consumidor sempre a comprar produtos, primeiro, de extrema confiança, onde está habituado.
Segundo, sempre exigir documentação fiscal do que você está comprando. E terceiro, se verificar qualquer diferença na coloração, na embalagem, no cheiro, no gosto, enfim, nas características do produto, imediatamente entrar em contato com a ABCF ou com o SAC da fabricante para que nós possamos resolver esse problema e verificar se isso é um produto falsificado. Porque quando está muito barato no Brasil, que tem a carga tributária que tem, não existe mágica. Ou se trata de um produto roubado ou de um produto falsificado. Enquanto o governo não rever essas alíquotas tributárias em cima dos setores da indústria mais prejudicados, por falsificação, contrabando e concorrência desleal, a situação vai ficar cada vez mais difícil de ser combatida, porque o preço é o principal apelo do produto ilegal para o consumidor final.
E nós precisamos conscientizar esse consumidor, e nesses casos, literalmente, o barato sai caro. Quando você pensa na questão, por exemplo, da reforma tributária que está ocorrendo hoje, a questão que o governo está errando, na minha opinião, tremendamente, é que não tem que aumentar as alíquotas de imposto em cima dos produtos. O que o governo tem que fazer é aumentar a base de contribuição, ou seja, fazer quem não paga hoje, pagar imposto. Isso só se dá combatendo o mercado legal, instituindo a rastreabilidade nos produtos originais que estão no mercado brasileiro, porque dessa maneira você inibe a sonegação fiscal e combate os falsificadores. Enquanto a gente não fizer isso e o governo ficar pensando em aumentar a tributação, que já é altíssima no Brasil, cada vez nós vamos ter mais produtos ilegais no mercado brasileiro, lesando a saúde e a segurança dos nossos consumidores.
Wanderley Nogueira: Doutor Rodolpho, alguém mandou uma pergunta aqui, dizendo que se existe a possibilidade dos produtos serem apreendidos, todos os tipos de produtos, qualquer deles, aprendidos, eles vão a leilão e depois são vendidos e colocados na praça novamente? É assim que é feito?
Rodolpho Ramazzini: Não, não é não. Os produtos falsificados não vão a leilão de jeito nenhum. É proibido, inclusive. Esses produtos são apreendidos, vão para o depósito. Quando sai o laudo comprovando que eles são falsos, a justiça determina a destruição desses produtos. As autopeças falsas, por exemplo, vão para a forma de siderúrgica. As bebidas falsas são descartadas. Os produtos de higiene e limpeza, a mesma coisa. Os medicamentos, a mesma coisa. O que a Receita Federal põe em leilão são produtos descaminhados, ou seja, o cara que foi lá e comprou 10 iPhones no exterior e trouxe sem pagar imposto. Esse produto, quando é apreendido, vai a leilão, porque é um produto original que entrou sem pagar tributação.
Mas no caso dos produtos falsificados, eles não vão a leilão, eles são destruídos quando eles podem gerar algum risco para a saúde e para a segurança do consumidor. Agora, no caso de roupas, por exemplo, tem até hoje algumas empresas que descaracterizam o produto falsificado para que esses produtos sejam doados à instituição de caridade. Por exemplo, nós quando apreendemos camisas de uma determinada marca, depois que o juiz autoriza, nós mandamos tirar o logo do produto falsificado, a etiqueta, e essas camisas são doadas para instituições de caridade, campanhas de agasalho, campanhas de mantimentos para a população mais carente. Quando é possível fazer isso, é feito. Agora, determinados produtos, como a bebida, a autopeça, o cigarro, esses produtos você não tem como dar uma outra destinação que não seja destruir, porque o produto falso é extremamente lesivo à saúde e segurança do país.
Wanderley Nogueira: Doutor Rodolpho, ao longo dessa caminhada, não só do seu pai, que foi o fundador da associação, mas ao longo dessa caminhada, empresas quebraram em função da falsificação?
Rodolpho Ramazzini: Sim, as empresas que não deram tratamento para esse problema que deviam, e muitas delas, daqui eu posso citar do ramo de confecções, por exemplo, acabaram falindo. Teve uma empresa que veio aqui no escritório há 10 anos atrás, na ABCF, procurar, dizendo que tinha alguém no Paraguai falsificando sua marca e jogando o produto aqui no Brasil à torta direita. Esse dono de empresa não quis, à época, fazer um investimento em inteligência e no combate disso, e ele acabou quebrando aqui no Brasil. E, pasmem, hoje, quem tem a marca registrada e continua fabricando essa camiseta, essas calças vindas, é o ex-falsário do Paraguai, que hoje é o titular da marca. Ou seja, a indústria que não dá o tratamento que deve para esse tipo de problema, ela pode sim vir a quebrar, vir a falir.
É um problema grave, você tem que combater ele com afinco, senão as quadrilhas do crime organizado se apoderam do seu produto, da sua marca e levam a saúde e a segurança dos consumidores, não pagam imposto aos cofres públicos e detonam o mercado do seu produto. A indústria séria combate isso de maneira efetiva conosco e essa indústria tem o seu problema de forma pontual, ou seja, surge um problema hoje, resolve, daqui um mês ou outro resolve, não deixa isso crescer. As indústrias que não combatem isso de maneira efetiva, quando às vezes tomam tempo do negócio, a coisa já está de um tamanho tal que você não tem mais como segurar. Como foi, por exemplo, o caso dos DVDs, dos CDs, que as gravadoras quando se atentaram para o problema, o negócio já tinha saído do prumo e elas tinham perdido o mercado. Você não pode deixar de combater o mercado ilegal, porque, além de quebrar a indústria, quem se apodera desses produtos no mercado acaba sendo o crime organizado, que vai acabar maximizando seus lucros e lavando dinheiro através desses produtos ilegais.
Wanderley Nogueira: Para fechar, vou fazer uma pergunta que seria feita pela velhinha de Taubaté. Você lembra dela, não é? A ingênua, velhinha de Taubaté, uma personagem muito deliciosa, que fazia perguntas assim… “Como é que você faz essa pergunta?”. Existe no Paraguai a Associação Paraguaia de Combate à Falsificação?
Rodolpho Ramazzini: Acredite se quiser, existe a ABCF lá dentro do Paraguai. Nós temos um diretor lá e tentamos trabalhar lá, na medida do possível, com as autoridades paraguaias também, para brecar os produtos ilegais. Mas é uma tarefa árdua, porque, infelizmente, tanto o Paraguai quanto os outros países que mandam produtos para o Brasil, como a China, a Tailândia, não fazem controle de nada. E esses produtos acabam chegando aqui no Brasil, inundando o mercado brasileiro de problema, razão pela qual a ABCF briga para que o governo, novamente, cuide dessa questão tributária, aumentando a base de empresas que pagam imposto, ou seja, fazendo com que os sonegadores paguem imposto, tirando os falsários do mercado.
E nós queremos também, no futuro, ter a ideia de colocar o consumidor como partícipe das ferramentas de fiscalização, ou seja, fazer com que o consumidor possa identificar os produtos na loja, no ponto de venda e nos ajudar a combater essa ilegalidade que só no ano passado tem prejuízo de 414 bilhões de reais para o Brasil em termos de arrecadação tributária e prejuízo das indústrias. Essa é a nossa luta e enquanto o consumidor não estiver conscientizado do perigo do produto ilegal… a nossa briga vai ser ingloriado aqui no território brasileiro.
Wanderley Nogueira: Muito bom. Doutor Rodolpho Ramazzini, um grande abraço para você. Obrigado pela gentileza, pela atenção, pelos esclarecimentos, contando para nós um assunto tão importante. Tenho certeza que muita gente desconhece como a coisa funciona, o trabalho que é feito, o combate que é realizado. E eu abri a conversa dizendo, parece que enxuga gelo, mas é que o volume é tão grande que a gente acha que não está fazendo nada. Pelo contrário, muita coisa é feita. E isso é extremamente importante. É bom para a indústria… Diga, diga, Rodolpho.
Rodolpho Ramazzini: Se a gente não tivesse feito as mais de 1.830 operações que nós fizemos, por exemplo, no ano passado, com as autoridades, imagina o volume de produtos ilegais no mercado brasileiro a mais que teria, quanta gente teria sofrido acidente com seus veículos, quanta gente teria ido parar no hospital ao consumir um produto ilegal. Então, assim, é um trabalho que realmente, em termos de escala, nós estamos muito atrás do crime organizado, precisamos crescer cada vez mais, mas eu acho que é um trabalho que não pode parar, porque senão eles vão tomar conta do país e nós não podemos deixar isso acontecer, temos que conscientizar o consumidor, contar com grandes nomes da imprensa como você, para esclarecer a população em geral dos perigos que existem ao consumir esse tipo de produto, que literalmente o barato sai caro, e proteger a nossa indústria com que ela gere emprego e riqueza para o país poder crescer, não é, Wanderley?
Wanderley Nogueira: Perfeito. Rodolpho, um abração para você, obrigado pela gentileza. Com o doutor Rodolpho Ramazzini. que é diretor de duas instituições importantes, o Escritório de Advocacia que ele comanda, que é um escritório procurado pelas grandes indústrias do Brasil em função desse combate que eles tentam realizar contra a falsificação, enfim, há tanta coisa que acontece nesse segmento. E é diretor e fundador dessa associação que não tem fins lucrativos, que é a Associação Brasileira de Combate à Falsificação. Rodolpho, abração para você, saúde! Até a próxima.
Rodolpho Ramazzini: Obrigado, Wanderley, foi um prazer. Até a próxima. Um abraço a todos.
Wanderley Nogueira: Muito bom. E na próxima semana, nós voltaremos com mais uma “Nossa Conversa” para você.
*Colaboraram: Lucca Dutra e José Neto
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