“Prendemos Lula, votamos nele e nos decepcionamos”, diz ex-delegado do Dops

  • Por Estadão Conteúdo
  • 08/04/2018 10h30 - Atualizado em 08/04/2018 10h39
Acervo Instituto Lula Lula foi bem tratado pelo regime militar, diferente de outros presos políticos, conforme ele mesmo relatou à Comissão da Verdade

Era uma madrugada com cerração quando bateram na porta da casa do líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva. Policiais do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) de São Paulo mandaram abrir. Não queriam deixá-lo nem mesmo trocar de roupa. Os metalúrgicos da região do ABC estavam em greve havia 17 dias e o regime militar resolvera endurecer: mandara prender toda a diretoria do sindicato. Lula e mais uma dezena de operários foram conduzidos ao prédio de tijolos vermelhos do Largo General Osório, no centro da cidade.

O delegado Armando Panichi Filho se lembra do dia 19 de abril de 1980. “Todos foram muito bem tratados pelo doutor Romeu”, afirmou o homem de confiança do então diretor do Dops, o delegado Romeu Tuma. O próprio Lula em depoimento à Comissão Nacional da Verdade (CNV) confirmou a afirmação de Panichi. Nenhum dos presos enfrentou a tortura reservada aos presos políticos.

Era a primeira prisão de Lula no regime militar. A ditadura se encaminhava para o fim e se abrandara. A cela dos sindicalistas tinha rádio e o grupo recebia jornais. A comida era entregue pela Igreja ou vinha do restaurante do Dops. “Era o trivial”, conta o delegado José Arruda. Muitas das visitas de advogados, familiares e políticos eram feitas no 4.º andar do prédio, que abrigava a direção do departamento. “O Tuma pôs a sala de reuniões à disposição dos presos”, disse Arruda.

Visitas

Foi ali que outro veterano do Dops, o delegado Massilon José Bernardes, encontrou o sindicalista. Na época, Massilon trabalhava no Serviço Nacional de Informações (SNI). “O Franco Montoro e o (Eduardo) Muylaert foram para lá.” Futuro governador de São Paulo, Montoro era senador pelo PMDB – Muylaert seria seu secretário de Justiça. “Ia muita gente dos órgãos de informação ao Dops para saber do Lula, estabelecer seu perfil. Era um trabalho de analista.”

Um dia, Tuma chamou Panichi ao seu gabinete e fechou a porta. Queria saber se ele e o investigador Oswaldo Machado podiam levar Lula para visitar a mãe, Emília Ferreira Melo, a dona Lindu, que estava doente. “Tiramos Lula pelos fundos e o levamos para a visita em sigilo, sem autorização da Auditoria Militar.” A visita foi de madrugada. Em 12 de maio, então com autorização da Justiça, Panichi escoltaria novamente Lula sem algemas em um Chevette. Desta vez, levou-o até o enterro de dona Lindu, no cemitério da Vila Pauliceia, em São Bernardo. Desarmados, os policiais foram cercados por uma multidão que gritava: “Soltem o Lula!” Panichi lembra que ficou ao lado dele e depois o levou de volta para a carceragem.

Ali na cadeia estava Enílson Simões de Moura, o Alemão. Sindicalista e militante do MR-8, Alemão foi um dos últimos da diretoria a ser capturado pelo Dops. Foi apanhado depois de se refugiar no gabinete do prefeito de São Bernardo do Campo, Tito Costa (PMDB), após uma negociação entre o senador Teotônio Vilela (PMDB-AL) e o ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel.

“Me deixaram na solitária durante uma semana, pois o Tuma tratava de forma diferente os sindicalistas sem militância dos que pertenciam a alguma organização, como eu”, disse. Depois, transferidos para cela dos demais presos – Lula e mais 11 -, Alemão também recebia suas visitas no 4.º andar. “Não tivemos o tratamento que antes era reservaram aos presos políticos.”

No Dops, Lula começou a doutrinar os policiais. Um dia, Tuma o surpreendeu. O diretor se irritou e ameaçou retirar rádio e jornais dos presos. Ficou na ameaça. “Ele (Lula) tinha uma liderança incrível. Eu mesmo votei nele em 2002. Acreditava nele ainda. Me decepcionei”, contou Massilon. Não foi o único. Arruda repetiu o gesto do colega na eleição. “Contradizendo tudo o que havia feito na vida.”

Trinta e um dia depois, todos os sindicalistas foram soltos. Alemão e Lula acabaram condenados pela 2.ª Auditoria Militar a 3 anos e meio de prisão e seriam uma vez mais presos no regime militar em razão dessa condenação. A prisão, dessa vez, durou um dia e nem mesmo para a carceragem foram levados. “Ficaram todos na diretora”, disse Arruda. Soltos, o processo foi transferido da Justiça Militar para a Federal e prescreveu antes de ser julgado. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo

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