Roubos de celulares voltam a crescer com flexibilização, movimentam a polícia e amedrontam a população

Aumento da circulação de pessoas nas ruas atrai os criminosos; autoridades apostam no setor de inteligência para coibir venda de aparelhos roubados

  • Por Luis Filipe Santos
  • 31/10/2021 10h00
Johnny Morais/Futura Press/Estadão Conteúdo - 09/09/2021 Mesa com diversas caixas de celulares dispostas lado a lado, duas mochilas no fundo e uma pistola; no fundo, um banner da Polícia Militar O advento do Pix, a digitalização das transações e aumento da capacidade de movimentações financeiras chamaram a atenção dos bandidos

O roubo e o furto de celulares são crimes difíceis de controlar: podem ser executados de forma rápida, tanto na abordagem quanto na fuga, e estão espalhados por todos os cantos de São Paulo. A restrição de circulação durante a pandemia fez com que os números despencassem, mas, agora, essa modalidade criminal volta a aumentar na capital com o retorno das atividades econômicas ao ritmo comum. Segundo dados divulgados pela Secretaria de Segurança Pública do Estado, entre janeiro e agosto de 2019, todos os meses tiveram mais de 10 mil registros de boletins de ocorrência por roubos de celulares na capital. Os números caminhavam de forma parecida até março de 2020, mas despencaram pela metade em abril e maio, quando a quarentena começou, tendo um ligeiro aumento nos meses seguintes. Em 2021, os registros do período entre janeiro e março caíram em relação aos do ano anterior. Porém, nos meses seguintes, acompanhando o avanço da vacinação e queda das mortes por Covid-19, as estatísticas sobre roubos e furtos de telefones móveis voltaram a crescer. Em agosto de 2021, o mês mais recente com os dados disponíveis, houve 1.837 registros de roubos e 2.883 de furtos a mais em relação ao mesmo mês de 2020.

Casos ouvidos pela Jovem Pan demonstram bem como o aumento da circulação impacta nesse crime. A assistente jurídica Amanda Serroni, de 24 anos, foi furtada em agosto, enquanto estava em uma rua de Pinheiros (zona oeste de São Paulo) cheia de bares e baladas. “Eu tinha acabado de colocar o celular no bolso. Uma mulher esbarrou em mim e um cara pegou. Eles não saíram correndo, porque é uma rua fechada. Na mesma hora eu fui atrás e falei: ‘Você pegou meu celular’. Ele foi me entregando, dizia que pegou no chão. Um segurança de um dos bares viu e levou o rapaz para a polícia”, relata. Ela contou ter visto na mesma noite algumas mulheres fugindo de algo. Quando passou por elas, ouviu que era um assalto. A jovem não se sente mais segura como antes. Tanto é que não voltou a nenhum estabelecimento da região e deu preferência a lugares fechados como restaurantes.

Patrick Silva, jornalista de 22 anos, tem uma história parecida. “Estava pedindo Uber perto da estação Portuguesa-Tietê para encontrar com alguns amigos na Barra Funda (zona oeste), à noite. “Dois sujeitos passaram de bicicleta e pegaram meu celular. Uma mulher tentou ir atrás, mas não conseguiu alcançar. Outra senhora me emprestou o celular dela para pedir o Uber e voltar para casa”, conta. “Desde então, eu me sinto inseguro quando ando na rua, olhando para os lados. Sempre suspeito das pessoas, evito pegar o celular na rua. É a sensação de que pode acontecer a qualquer momento. E, se acontecer, eu não vou poder fazer nada”. Caso mais violento foi vivenciado em abril pela tradutora Milena Almeida, de 23 anos, na zona leste da capital. “Estava voltando para casa do trabalho, já perto do condomínio onde moro, perto do Parque do Carmo, quando apareceram dois caras numa moto. O que estava atrás e portava uma arma parecia uma criança, algo em torno de 11 anos. Isso foi algo que mexeu bastante comigo e me deixou muito mais insegura, embora eu nunca tivesse me sentido realmente tranquila andando na cidade.”

Em entrevista à Jovem Pan, o delegado Albano David Fernandes, do Decap (Departamento de Polícia Jurídica da Capital) destaca os esforços da polícia para tentar evitar o crime através da ação na “outra ponta”: a venda dos celulares. No último dia 28 de setembro, Fernandes comandou uma megaoperação da Polícia Civil que prendeu 320 pessoas e apreendeu 1.680 aparelhos. “Os crimes patrimoniais sempre são alimentados por quem comercializa esses produtos. Os fomentadores são os receptadores. Logicamente, a polícia ostensiva também flagra esses ladrões, e é função da Polícia Civil prendê-los. Mas temos que usar formas inteligentes, a investigação, para atacar receptadores e diminuir a incidência de furtos e roubos”, explica o delegado. O número de latrocínios indica que também há um crescimento na violência, embora em números menores que 2019, período pré-pandêmico. Em todo o ano de 2019, foram 64 latrocínios; no ano passado, 46; até meados de outubro deste ano, 44, de acordo com informações fornecidas pela delegada Erica Campos, também do Decap. Ou seja, é praticamente certo que este ano vai superar 2020.

“A atuação em campo visita esses estabelecimentos [de vendas e conserto de celulares], principalmente no centro. Nós observamos a movimentação de pessoas. Se chegamos numa loja em que o indivíduo trabalha com celulares, verificamos aparelho por aparelho através do IMEI [número de identificação existente em todo celular]. Se for roubado, é necessário que a pessoa tenha feito um boletim de ocorrência para podermos rastrear o aparelho. Se houver dúvida, não estiver na lista de celulares roubados, mas o comerciante também não conseguir provar que a procedência foi legal, nós apreendemos para verificação”, conta Fernandes. Segundo ele, foi possível identificar até outros crimes e bloquear uma transferência de R$ 150 mil que havia sido feita para a conta de um criminoso através de aplicativos bancários. Foi a quarta de uma série de operações, e novas rodadas deverão ser realizadas no futuro.

Tecnologia atraiu criminosos

Dennis Pacheco, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ressalta que a criação do Pix, em 2020, pode ter estimulado esse tipo de crime. “Roubo e furto de celulares são crimes de oportunidade. Então, o aumento da circulação tende a implicar no aumento dessas oportunidades. Mas há toda uma dinâmica que interfere: o advento do Pix, a digitalização das transações e aumento da capacidade de movimentações financeiras. Tudo isso acabou aumentando o valor agregado do aparelho, de forma que existe uma nova valoração dele dentro dos mercados criminais”, analisa Pacheco. A responsabilidade de evitar os crimes recai principalmente no setor de segurança. “Não somente através da capacidade de ação no policiamento ostensivo, mas principalmente no setor de inteligência, para entender como se articulam essas redes de revenda”, acrescentou o pesquisador.

Pacheco ainda cita que é difícil para o consumidor identificar um aparelho que seja fruto de um crime, correndo o risco de alimentar a rede e ainda se tornar um receptador. “[É recomendado] Apenas se comprar aparelhos novos, em lojas físicas ou virtuais”, aconselhou o pesquisador. Já o delegado Albano pede que as pessoas prestem atenção em alguns sinais que podem indicar a origem inadequada. “É importante que as pessoas não façam negociações com preço muito abaixo do valor de mercado nem comprem celulares usados sem saber a procedência”, diz. Assim como a polícia fortalece a vigilância sobre os roubos e furtos, os criminosos acham maneiras de burlá-la: apagam o IMEI e tentam cadastrar um novo; desmontam e revendem as peças para assistências técnicas; e chegam a levar aparelhos para o Paraguai para despistar as forças de segurança e evitar apreensões.

Comentários

Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.