Zeina Latif: Auxílio emergencial pode agravar geração ‘nem-nem’

Jovens que não estudam nem trabalham podem se acomodar e dificultar a retomada do país, segundo economista; crise sanitária e recessão econômica travam recuperação do mercado de trabalho

  • Por Gabriel Bosa
  • 06/08/2020 12h17
Werther Santana/Estadão Conteúdo Taxa de desocupação aumentou em 0,4 pontos percentuais de agosto para setembro, passando de 13,6% para 14% e atingindo o maior nível da série

A prorrogação do auxílio emergencial de R$ 600 pode criar uma nova geração “nem-nem”. Essa é a opinião da consultora econômica Zeina Latif. O termo se refere aos jovens que estão fora do mercado de trabalho e de instituições de ensino. “Quando se protege demais, acaba dificultando a retomada adiante. Você alimenta jovens ‘nem-nem’, você alimenta pessoas que simplesmente se acomodaram porque têm um benefício garantido. É preciso olhar para as camadas carentes, mas não pode ser uma política generalizada”, disse a economista à Jovem Pan. A extensão do reforço de renda com um valor reduzido até dezembro é cogitada por membros do governo federal, que estudam a viabilidade financeira da medida. No final de junho, o Ministério da Economia anunciou a prorrogação do benefício por mais dois meses. Ao todo, o programa custará R$ 254 bilhões aos cofres públicos, aproximadamente R$ 50 bilhões ao mês.

A taxa de desemprego no trimestre encerrado em junho é de 13,3%, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (Pnad) Contínua, divulgada nesta quinta-feira, 6. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o país possui 12,8 milhões de desocupados. No trimestre encerrado em maio, o nível era de 12,9%, totalizando 12,7 milhões de pessoas. Sem estimar prazos para a retomada das contratações, Latif é pessimista diante do cenário da crise. “Sabemos que vai piorar, mas é difícil dizer a velocidade dessa piora.” As características inéditas de uma crise sanitária aliadas a recessão econômica tornam os métodos para minimizar os impactos muito incertos, mesmo com a flexibilização das medidas de isolamento social. “Não é como se as pessoas fossem sair de casa e tudo volta ao normal. É mais complexo do que isso. As empresas estão enfrentando dificuldades financeiras, e muitas não vão querer aumentar o quadro de funcionários tão cedo.”

Segundo a economista, a desproporção nas medidas de apoio aos mais vulneráveis gera uma retomada econômica artificial e sem sustentabilidade. “Quando a medida foi lançada era uma questão emergencial. Agora, precisamos ter mais cuidado. Elas têm um custo, e o Brasil não tem as contas públicas confortáveis o suficiente. Pelo contrário, nós temos um desafio fiscal enorme.”

Latif defende que o governo federal deveria estimular o setor privado para a criação de novas vagas de emprego. Um dos caminhos seria proporcionar meios para que as empresas de adequem as transformações do mundo digital. “É muito importante o esforço do governo em facilitar a criação de novas empresas, de ter linhas [de crédito] para que elas possam se equipar. Isso, além de olhar para as necessidades e qualificar os nossos jovens para esse novo mundo”, diz. Além de todos os entraves sociais e financeiros, a consultora econômica afirma que a crise da Covid-19 expôs as fraquezas do Estado brasileiro em lidar com situações complexas. Um dos exemplos, afirma Latif, é a falta de uma coordenação  entre governadores e o Executivo nacional para somar esforços no combate à crise. Além disso, ela cita o despreparo dos órgãos públicos em se adequar diante das dificuldades. “As universidades públicas não conseguiram fazer aulas online, e as privadas conseguiram. Nós gastamos tanto com educação, então o que está acontecendo?”, questiona.

 

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