Dois de cada cinco presos ainda não são levados a um juiz em SP no prazo de 24h

  • Por Estadão Conteúdo
  • 30/01/2017 09h17
Arquivo/Agência Brasil Presos

Há quase dois anos, presos em flagrante começaram a ter em São Paulo o direito de serem apresentados a um juiz em 24 horas. Mas hoje as audiências de custódia, que se tornaram padrão para o País, só valem para três de cada cinco presos em flagrante no Estado. Iniciado na capital, o programa funciona em 23 das 57 circunscrições judiciárias – que, apesar disso, concentram a maior parte dos crimes. Especialistas já veem prejuízo nos direitos dos detidos que não são levados logo ao juiz. A universalização, entretanto, só deve ocorrer em agosto, conforme cronograma do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Ainda assim, apenas com audiências em dias úteis.

A primeira audiência de custódia foi realizada na capital paulista em 24 de fevereiro de 2015, como projeto-piloto. Com objetivo de combater o encarceramento em massa e também assegurar os direitos dos presos, o programa busca avaliar se há necessidade de manter a prisão, como em casos de crimes violentos ou reincidência, ou se o suspeito pode responder em liberdade. O juiz também pode decidir relaxar a prisão, caso veja irregularidade.

Mesmo em regiões em que há audiência, no entanto, nem todos os detidos são apresentados ao juiz. Dados da Secretaria da Segurança Pública (SSP) mostram que 20.827 pessoas foram presas em flagrante na capital, entre maio e outubro do ano passado (quando o programa já cobria todas as delegacias e crimes). No mesmo período, houve 12.133 audiências na capital, ou 58,2% dos flagrantes.

Nos seis primeiros meses, quando só funcionava na cidade de São Paulo, os números foram menores ainda: houve cerca de 7,8 mil audiências, segundo o TJ. No mesmo intervalo, a polícia registrou a prisão em flagrante de 66,5 mil pessoas no Estado, de acordo com dados da SSP. “Muito pouco do universo total de São Paulo era submetido à custódia”, justifica o juiz Sylvio Ribeiro de Souza Neto, assessor da Presidência do TJ.

A primeira expansão do programa incluiu a Grande São Paulo, mas só em maio de 2016. Depois, as audiências foram ampliadas para outras 15 regiões, entre elas Ribeirão Preto, Campinas e Santos, atingindo o total de 40,3% das circunscrições judiciárias em novembro. Com a implementação gradual, a maior parte dos presos em flagrante, no entanto, acabou não sendo apresentada em audiência de custódia nesse período.

Violência doméstica

Além da limitação geográfica, os juízes também não recebiam acusados de homicídio ou de violência doméstica inicialmente. Na atual fase, o TJ-SP estima que o programa consiga abarcar 62% dos flagrantes no Estado. “Foi preciso o escalonamento porque, tanto no âmbito do Tribunal de Justiça quanto especialmente no âmbito das Secretarias de Segurança Pública (SSP) e Administração Penitenciária (SAP), não tinha estrutura para atender o Estado todo”, diz Souza Neto.

Segundo ele, o número de prisões da SSP “sempre vai ser maior do que o de audiências”. “Nas prisões, estão computadas as pessoas que tiveram oportunidade de ter fiança arbitrada pelo delegado e não passaram por custódia. Por exemplo, os casos de embriaguez ao volante, que são muitos”, diz. 

Para o juiz, só haver audiência de custódia em dia útil também explica a diferença. “No plantão, o preso também pode conseguir liberdade provisória ou relaxamento da prisão, sem passar por custódia.”

Universalização

Para o defensor público Vitore Maximiano, que atua no Fórum Criminal da Barra Funda, na zona oeste de São Paulo, “o Tribunal de Justiça tem de correr para que todos sejam levados (ao juiz), sem exceção, ou estaremos criando uma desigualdade de direitos”. Além do alto custo por preso, ele destaca que o ingresso no sistema penitenciário também facilita a cooptação de pessoas para o crime organizado. “Todos vimos o que tem acontecido nos presídios”, diz. 

Faltam três fases para a universalização do programa em São Paulo. Daqui a uma semana, o TJ-SP quer ampliar para outras 11 circunscrições judiciárias, entre elas Sorocaba, Bauru e Presidente Prudente. Em maio, entram mais 12 regiões, incluindo Franca, Marília e Presidente Venceslau. As últimas 11 circunscrições, entre elas Americana, Jales e Itanhaém, serão incorporadas em agosto.

Em nota, a Secretaria da Segurança afirma que a ampliação do programa não impacta o orçamento da pasta nem prejudica o atendimento policial para a população. “A Polícia Civil é responsável pela escolta de presos das delegacias até o Fórum, enquanto a PM se responsabiliza por eles enquanto permanecem à disposição da Justiça”, diz. Já a SAP fala que “não há aumento de custos, e sim redução, pois os números gerais de inclusão demonstram a diminuição na entrada de presos”.

Audiência em fim de semana e feriado fica para outubro

O Tribunal de Justiça de São Paulo quer implementar as audiências de custódia em fins de semana e feriados em outubro. Dessa forma, a mudança também garantiria o funcionamento durante o recesso do Judiciário, quando os presos deixam de ser apresentados presencialmente ao juiz. Segundo o presidente do TJ-SP, Paulo Dimas, o procedimento vai aumentar em cerca de 40% os custos do Tribunal com as audiências. “Nossa preocupação é levar a todas as comarcas e, depois, fazer todos os dias.”

Hoje, há apenas os plantões judiciários, em que os juízes decidem pela prisão preventiva ou por conceder liberdade provisória pela leitura do flagrante. “Esse procedimento é muito mais frio. Quando fazemos visitas ao CDP Pinheiros (na zona oeste) e encontramos alguém que cometeu um crime de menor potencial ofensivo, quase 100% das vezes essa pessoa foi presa em fim de semana e não passou por audiência de custódia”, afirma o defensor público Vitore Maximiano.

O TJ-SP afirma que o cronograma de adoção das audiências foi submetido ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e aprovado. O órgão é responsável por fiscalizar o programa no País. 

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