Economia brasileira caminha para reunir o ‘pior dos mundos’ em 2022 com inflação alta e baixo crescimento

Quadro de estagflação deve impactar no aumento do desemprego, na corrosão do poder de compra e na queda de investimentos; volatilidade em ano eleitoral tem potencial de agravar o cenário

  • Por Gabriel Bosa
  • 28/11/2021 07h00
Luciano Claudino/Código 19/Estadão Conteúdo Mulher olha para parede de açouge em que cartazes com os preços das carnes estão fixados Aumento das previsões da inflação deste ano contaminam expectativas para 2023

A queda das atividades econômicas somada à manutenção da inflação em patamares elevados devem levar o Brasil ao cenário de estagflação a partir de 2022. O fenômeno, que reúne o “pior dos dois mundos” da economia, se reflete na sociedade de forma perversa com o agravamento da taxa do desemprego, corrosão do poder de compra da população e diminuição no ritmo e volume de investimentos. A consolidação do quadro negativo é apontada semanalmente pelo mercado financeiro através do Boletim Focus, a pesquisa do Banco Central (BC) que reúne a mediana das previsões para a economia de mais de uma centena de instituições. Na semana passada, a estimativa para o Índice de Preços ao Consumidor (IPCA) — o indicador oficial da inflação brasileira —, para o ano que vem foi a 4,96%, encostando no limite de 5% da meta perseguida pelo Banco Central, com centro de 3,5% e piso de 2%. Já a projeção para o Produto Interno Bruto (PIB) foi rebaixada para avanço de 0,7% — opiniões mais pessimistas indicam até desempenho negativo da atividade econômica. “São duas coisas que normalmente não andam juntas. Quando há estagnação econômica, os preços costumam ficar parados. No outro lado, geralmente a inflação está alta quando a economia está muito aquecida”, explica Matheus Peçanha, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).

Do lado inflacionário, a “tempestade perfeita” começou a se formar em 2020 com o início da escalada da variação de preços domésticos puxada pelo encarecimento das commodities e dos alimentos. O caldo engrossou a partir do início de 2021 com a forte desvalorização do real ante o dólar, principalmente pelo noticiário político. Além do câmbio, a disseminação do aumento dos preços para toda a cadeia em nível global e a “importação” desta inflação pela economia brasileira tornou pior o que já estava péssimo. O IPCA foi a 10,67% no acumulado dos últimos 12 meses encerrados em outubro, e a 10,73% na prévia de novembro. O mercado estima que a inflação encerre o ano com alta de 10,12%, enquanto o centro da meta do BC é 3,75%, com margem entre 2,25% e 5,25%.

Para Fernanda Consorte, economista-chefe do banco Ourinvest, o caminho para a saída do quadro de estagflação passa pela redução do ritmo econômico. “Tem que ter esse sofrimento no crescimento para que a inflação baixe, e depois pensar em crescer sem aumentar a inflação”, afirma. Nesse meio tempo, o brasileiro vê a sua condição se tornar mais apertada com os reflexos gerados pela alta dos preços e a paralisação econômica. “Por um lado, a inflação come a renda das pessoas. Por outro, quem não tem emprego vai ter ainda mais dificuldades para encontrar trabalho, já que como não há crescimento, o empregador deixa de contratar.”

O PIB brasileiro deve crescer algo próximo de 5% neste ano, segundo as previsões do mercado financeiro e do Ministério da Economia. O número expressivo destoa da média de desempenho pífio que foi realidade da última década. De forma prática, no entanto, a alta apenas repõe o tombo histórico de 4,1% registrado em 2020 em meio ao caos global gerado pelo novo coronavírus. O crescimento abaixo de 1% esperado pelo mercado para o ano que vem — contra a projeção de alta acima de 2% pelo governo federal —, traz o país de volta para o ritmo de “voo de galinha” observado nos últimos anos, mas com o cenário pressionado pela alta dos preços. Para os analistas, a quebra desse ciclo de baixo crescimento só é alcançado se o Brasil superar os velhos desafios da agenda de reformas e modernização da máquina pública. “Nós só temos estes crescimentos no curto prazo devido a fatores internacionais. Nós só teremos crescimento continuado se resolvermos os problemas de infraestrutura, logística, entre outros”, diz Peçanha, do Ibre.

Se a grande parte dos analistas colocam a previsão de estagflação para 2022, dados da economia mostram que o país já entrou em um período de atividades paralisadas, além da inflação alavancada. Após alta de 1,2% no primeiro trimestre, o PIB caiu para 0,1% no segundo, e tudo indica que a desaceleração tenha se estendido entre julho e setembro. O Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), considerado uma prévia do indicador, registrou queda de 0,14% no terceiro trimestre. O resultado oficial vai ser divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na próxima quinta-feira, 2. Para Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, os dados do desempenho econômico e o IPCA na casa dos dois dígitos deixam claro que a estagflação já faz parte do cotidiano brasileiro. “É algo que se pode associar desde o começo da pandemia e que terá efeitos até 2022. Nesses três anos, teremos uma inflação acumulada de quase 20%, e um cenário de crescimento baixo, com PIB per capita com retração de 2%”, completa.

Diante da escalada do IPCA de uma forma mais longa e intensa do que o esperado — após prever o pico do IPCA em setembro, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, afirmou nesta sexta-feira, 26, que o país está próximo de ver o topo do índice —, a autoridade monetária precisou acelerar a alta dos juros. A dose mais forte veio em outubro, com o acréscimo de 1,5 ponto percentual na Selic, elevando a taxa a 7,75% ao ano. A entidade já deixou encomendada nova alta de mesma magnitude na reunião de dezembro, o que deve fazer com que a Selic encerre 2021 a 9,25% ao ano. O ritmo deve ser mantido na virada do próximo ano. O BC deixou claro que vai levar a taxa de juros até onde for necessário para cumprir a meta de 2022. Para o mercado financeiro, esse limite deve chegar a 11,25% em meados do primeiro trimestre e se manter neste patamar até o fim do ano. O mesmo remédio prescrito para trazer a inflação para baixo, porém, age contra o desenvolvimento da economia. Juros altos se refletem no encarecimento do “custo do dinheiro”, ou seja, a tomada de crédito, o que desemboca em menos investimentos, menos geração de empregos, menos consumo e, no fim, menos crescimento do país.

É consenso entre os analistas que o cenário de estagflação pode ficar ainda pior e se estender para além de 2022. A situação deve sofrer forte influência das tensões já típicas de um ano eleitoral, e o seu desfecho pode estar diretamente condicionado ao resultado das urnas. “A inflação vai sair de um patamar de 10% para 5% de forma gradual, e com as eleições, o câmbio costuma ter muita volatilidade. O dólar pode explodir no momento que a corrida eleitoral se intensificar”, diz Peçanha, do Ibre. “Graças à credibilidade do Banco Central, ao menos a inflação deve estar estabilizada no centro da meta em 2023”, complementa. Para Vale, a falta de perspectivas de mudanças políticas deve estender o quadro desafiador para, no mínimo, o fim do ano que vem. “Essas dificuldades que nós temos vão permanecer. E, se a mudança política não for adequada depois das eleições, a situação pode ficar ainda pior.”

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