Sequestro no Haiti completa uma semana com bebê de 8 meses refém; veja o que se sabe até agora
Grupo de missionários norte-americanos foi sequestrado há uma semana; criminosos pedem equivalente a R$ 95 milhões para libertar os detidos
Um ônibus dirigido por um motorista haitiano e ocupado por 12 missionários e cinco crianças, todos da América do Norte, foi interceptado por gangues em Porto Príncipe no último sábado, 16. Uma semana depois, as famílias continuam em cárcere e uma atmosfera de tensão é alimentada no país da América Central. Os sequestradores, membros da gangue 400 Mawozo, parecem irredutíveis no pedido de US$ 1 milhão por raptado, o que leva o valor total do resgate para US$ 17 milhões (mais de R$ 95 milhões). Os dias que se seguiram ao sequestro foram marcados por incertezas, uma corrente de orações nos EUA, protestos haitianos contra a violência e até mesmo pelo pedido de demissão do chefe de polícia do Haiti. Veja abaixo o que se sabe sobre o rapto dos missionários até o momento.
Quem são os reféns?
Todos os passageiros do ônibus interceptado em Porto Príncipe são membros da ONG Christian Aid Ministries, que tem sede em Ohio, nos Estados Unidos. Eles estavam saindo de uma visita a um orfanato no bairro de Croix-des-Bouquets, subúrbio da capital haitiana, quando foram capturados. Doze deles eram maiores de idade: cinco homens e sete mulheres, com entre 18 e 48 anos; um deles é canadense e os outros 16 são naturais dos EUA. Entre os menores de idade, o mais velho tem 15 anos e o mais novo tem oito meses. As outras crianças têm 3, 6 e 13 anos. A polícia confirmou que além dos 17 estrangeiros, o motorista do ônibus, de nacionalidade haitiana, também foi sequestrado. Não há qualquer detalhamento, porém, sobre as negociações pela vida dele.
Quem cometeu o sequestro?
A autoria do rapto foi clamada pela organização criminosa 400 Mawozo. Segundo a imprensa internacional, a tradução literal do nome na língua crioula haitiana é “400 homens inexperientes”. O líder do grupo, Wilson Joseph, que tem o apelido de Lanmo Sanjou (que significaria “a morte não sabe o dia que vai chegar”), é procurado pela polícia local pelos crimes de homicídio, tentativa de homicídio, sequestro, roubo de carro e de cargas. De acordo com monitoramentos das forças de segurança do Haiti, o grupo tem cerca de 150 membros e controla a região de Croix-des-Bouquets há anos. Além do sequestro de padres franceses em 2020, a gangue também se tornou conhecida no país por abrir fogo contra um ônibus e matar uma criança após o motorista se recusar a parar. Os sequestros são considerados pela polícia como o principal crime cometido pelo grupo.
ONG já tinha alertado para histórico de violência no país
De acordo com informação dada por seis repórteres do canal norte-americano CNN e confirmada pela Jovem Pan, publicações feitas em 2019 em um blog da ONG cristã já descreviam cenas de tensão e agressões aos missionários norte-americanos no Haiti. Em uma delas, o autor, de nome desconhecido, contava que os voluntários tinham acabado de chegar no aeroporto de Porto Príncipe quando foram cercados “em frações de segundos” por homens armados pedindo dinheiro. Eles teriam tentado cortar os pneus do veículo que transportava os missionários, mas não conseguiram. “Não sabemos como eventualmente conseguimos escapar de lá, mas não vimos nenhum tiro sendo disparado em nossa direção”, afirma trecho da publicação. Em 2020, outro post feito no mesmo blog contava que ameaças foram feitas por gangues locais caso os religiosos não dessem dinheiro e comida para os criminosos e veículos da ONG foram vandalizados. Naquele ano, de acordo com um relatório anual do Christian Aid, um grupo de voluntários foi retirado do país por questões de segurança e “instabilidade política”. Eles foram enviados de volta meses depois.
Pedido milionário de resgate
Poucos dias após o sequestro, membros do 400 Mawozo entraram em contato com a sede do Christian Aid, em Ohio, e pediram US$ 1 milhão (cerca de R$ 5,5 milhões) por cada um dos sequestrados, levando o valor do resgate para US$ 17 milhões (mais de R$ 95 milhões). As forças de segurança que acompanham o caso, porém, ensaiam uma forma de salvar a vida dos norte-americanos sem entregar o valor pedido pelos criminosos. Nesta sexta-feira, 22, um vídeo divulgado pela organização criminosa mostra o líder do grupo, Wilson Joseph, diante de caixões abertos que estariam com os corpos de membros da gangue recentemente mortos por forças de segurança do país. Ele fala por poucos minutos, ameaça o primeiro-ministro Ariel Henry, a Polícia Nacional e diz que vai assassinar os raptados. “Eu juro que se vocês não derem o que estou pedindo eu vou colocar uma bala nas cabeças desses americanos”, ameaçou o homem. “Vocês me fizeram chorar. Eu choro lágrimas, mas eu vou fazer vocês chorarem sangue”, complementou.
Em resposta, a ONG Christian Aid fez uma coletiva de imprensa, pediu orações pelos sequestrados e também pelos sequestradores e leu uma carta escrita pelas famílias dos reféns. “Deus deu aos nossos colegas a oportunidade única de viver a palavra Dele e amar nossos inimigos”, afirmou trecho do documento. Eles também convidaram outros missionários ao redor do mundo para fazer uma corrente de oração e jejum em prol dos reféns. “Também rezamos para que a luz do amor de Deus possa brilhar na escuridão do pecado; para que os membros da gangue possam ser libertos das amarras do pecado e experimentem a liberdade em Jesus Cristo”, diz outra parte da carta. Com a repercussão do caso internacionalmente, o chefe de polícia do país, León Charles, pediu demissão do cargo. Ele foi substituído pelo comissário Frantz Elbe.
Raptos não são atípicos no Haiti, um país em crise
A estimativa do governo haitiano é de que 60% de Porto Príncipe seja controlado por gangues e os sequestros não são atípicos na região. Eles costumam atingir, porém, moradores de classe média alta e raramente envolvem estrangeiros. Um dos últimos casos de repercussão internacional antes do sequestro dos missionários ocorreu em abril de 2020, quando 10 pessoas que faziam parte de uma missão da Sociedade de Padres de St. James também foram raptadas na região de Croix-des-Bouquets. O grupo era formado por cinco padres, duas freiras e três voluntários, passou cerca de 20 dias em cativeiro e foi liberado em 30 de abril. Entre os sequestrados estavam dois cidadãos da França, e o governo do país europeu recebeu um pedido de US$ 1 milhão para a libertação do grupo. As autoridades nunca esclareceram se algum dinheiro foi dado em troca dos sequestrados.
De acordo com o Centro de Análise e Pesquisa sobre Direitos Humanos do país, mais de 600 sequestros foram realizados apenas em 2021, a maior parte deles de cidadãos com alto poder aquisitivo. No país, a abdução dos missionários estrangeiros causou uma onda de protestos contra a violência e contra as gangues nas ruas. O caos social causado pelo terremoto que matou mais de 2 mil pessoas em agosto e o caos político causado pelo assassinato do presidente Jovenel Moise um mês antes disso podem causar uma piora acentuada nestes números. No caso dos missionários sequestrados, a polícia nacional do Haiti trabalha em conjunto com a Polícia Montada do Canadá e com membros da agência federal norte-americana (FBI). Os órgãos divulgam poucas informações sobre as negociações envolvendo o caso.
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