Um ano após invasão do Capitólio, EUA encaram ostracismo de Trump e crença de fraude por maioria dos republicanos

Cinco pessoas morreram e mais de 100 policiais ficaram feridos após apoiadores de Trump e seguidores de teorias da conspiração invadirem complexo federal em 6 de janeiro de 2021

  • Por Lorena Barros
  • 06/01/2022 09h00 - Atualizado em 06/01/2022 11h15
BRENT STIRTON / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP Homem de braços abertos diante do Capitólio dos Estados Unidos Cinco pessoas morreram durante invasão ao Capitólio dos Estados Unidos

Pouco após uma corrida eleitoral conturbada e uma série de acusações de fraude feitas pelo presidente Donald Trump, o dia 6 de janeiro de 2021, que formalizaria no Congresso norte-americano a vitória do democrata Joe Biden nas urnas dos Estados Unidos, foi marcado por uma violenta invasão ao Capitólio do país. Ao todo, cinco pessoas morreram no ato considerado terrorismo doméstico e, até o fim de 2021, 725 receberam acusações formais pelo envolvimento com o crime, que, para muitos, trouxe uma mancha à história da democracia ostentada pela nação. Além dos cinco mortos, mais de 100 policiais ficaram feridos nos ataques e uma verdadeira caçada foi travada contra os invasores, em sua maioria apoiadores do então presidente republicano que acreditavam em teorias da conspiração. Redes sociais e alguns canais de TV baniram as contas e coletivas de imprensa do presidente, que se recusou a aparecer na cerimônia de posse de Biden e admitiu a derrota dois dias após o crime. Um ano depois, fortes esquemas de segurança no prédio federal, um processo de impeachment frustrado e a tensão dentro do partido republicano marcam o aniversário de um ano da invasão ao Capitólio dos EUA.

Após semanas de discursos republicanos tentando desvalidar a legalidade dos votos que elegeram Biden, o dia 6 de janeiro começou com um rally pró-Trump no qual o presidente dos Estados Unidos falou por mais de uma hora aos seus apoiadores, pedindo que eles “lutassem”, repetindo informações não-verídicas sobre fraudes e falando que o vice-presidente Mike Pence, que segundo a Constituição deveria presidir a sessão e certificar a vitória do democrata, “faria a coisa certa”. Pence negou as apelações de Trump para não aceitar o resultado e no começo da tarde a concentração de pessoas diante do Capitólio começou a avançar contra a polícia. Membros que estavam na sessão foram “evacuados” às pressas para um ponto seguro dentro do Capitólio por volta das 14h15 (no horário local) e a sessão foi pausada enquanto manifestantes acessavam o local por janelas quebradas e escalavam o prédio. O então presidente dos Estados Unidos se posicionou nas redes sociais cerca de uma hora após o início da invasão pedindo que todos os manifestantes se comportassem de forma “pacífica”. Após pelo menos quatro pessoas serem mortas, o prédio foi considerado seguro por volta das 20h e a sessão de certificação da vitória de Biden foi retomada, sendo encerrada às 3h40 da madrugada do dia 7.

Impeachment e “silenciamento” de Trump nas redes

O discurso feito por Donald Trump poucas horas antes da invasão ao Capitólio convidando seus apoiadores a caminhar até o prédio e afirmando que “vamos parar com o roubo” foi apontado como incentivador da invasão. Imediatamente, o Facebook, YouTube e Instagram removeram vídeos com a fala e a plataforma de Zuckerberg (que também abriga o Instagram) baniu o presidente das redes por tempo indeterminado. A dias de entregar o seu cargo para Biden, a Câmara dos EUA aprovou por 232 votos a favor, 197 contra e quatro abstenções o impeachment de Trump, aberto por “incitação à violência”. Na ocasião, 10 membros do partido republicano votaram contra o presidente. Quando o projeto tramitou para o Senado, porém, ele foi rejeitado, mesmo com a maioria dos votos favoráveis. Como o placar foi de 57 votos “sim” contra 43 votos “não”, a maioria de dois terços necessária para o impeachment não foi atingida. Naquela ocasião, Trump já tinha deixado o cargo, mas poderia ser responsabilizado pelos crimes caso o parecer do Senado fosse positivo.

Para o professor de Relações Internacionais da ESPM Porto Alegre, Roberto Uebel, antes de olhar para a situação do partido Republicano, é importante olhar para a transformação da figura de Trump após a sua relutância em aceitar a derrota nas eleições. Hoje, o político tem feito aparições controversas em público, chegando a defender a vacinação e a ser vaiado por apoiadores em convenções por causa de falas “conflitantes” com outras declarações dadas por ele anteriormente. “O Trump entra em um ostracismo público e também dentro do seu partido. Vejo hoje o partido republicano querendo voltar às suas origens conservadoras, descolar da figura de Trump, que é algo que eles já faziam durante o governo dele, e tentando recuperar a imagem e o posicionamento do partido até as eleições de meio de mandato que ocorrerão em novembro, quando eles vão renovar boa parte dos assentos da Câmara dos Representantes e um terço do Senado”, afirma. O professor lembra que a votação será importante porque deve definir como os próximos anos do governo Biden serão. Caso a maioria dos assentos seja conquistada por republicanos, o democrata pode ter anos difíceis no resto do seu governo.

Um ano depois, republicanos ainda acreditam nas fraudes apontadas sem provas por Donald Trump e a polarização do país continua gritante. Uma pesquisa divulgada no último domingo pelo instituto ABC/Ipsos mostrou que 52% dos eleitores republicanos consideram que a invasão ao Capitólio foi feita por pessoas que “protegiam a democracia americana” e apenas 45% acreditam que o ato foi uma ameaça às instituições democráticas. O grupo conservador também não acredita que o ex-presidente é culpado pela invasão, com 78% das pessoas do partido afirmando que ele tem “apenas alguma ou nenhuma” responsabilidade pelo ato dos seus seguidores. “O que é mais simbólico dessa invasão ao Capitólio um ano depois é que boa parcela desse eleitorado republicano, que é uma boa parte do eleitorado norte-amercano, concorda com a invasão do seu parlamento, o que é algo muito grave. A gente não tinha muita certeza de como a opinião norte-americana estava dividida e isso serviu para comprovar a profunda divisão do eleitorado com relação a essas instituições”, analisa Uebel.

Punições aos envolvidos ainda são aplicadas

Pouco após a invasão, a polícia do Capitólio e o FBI anunciaram buscas aos envolvidos no crime que tinham sido flagrados no local por imagens divulgadas nas redes sociais e registradas nas câmeras de segurança do prédio. De acordo com um levantamento feito pelo Departamento de Justiça do país em dezembro, 225 das 725 pessoas formalmente acusadas pela polícia foram responsabilizadas pelo crime de agressão ou resistência à prisão; mais de 75 por usarem armas contra policiais; 640 por violarem um prédio federal e cerca de 10 por ataque a membros da mídia do país. As penas mais longas aplicadas até o momento foram a Robert S. Palmer, morador da Flórida, de 54 anos, que jogou extintores de incêndio contra policiais e foi condenado a cinco anos em uma prisão federal; e Jacob Chansley, de 34 anos, autointitulado como “Xamã do Qanon”, condenado em novembro a 3 anos e quatro meses de prisão. Apesar das penas, mais da metade dos condenados pôde cumprir prisão domiciliar ou prestar serviço comunitário para evitar ir à prisão.

Quem são os mortos na invasão ao Capitólio?

Quatro apoiadores de Trump morreram durante a invasão ao Capitólio. A primeira era Ashli ​​Babbitt, de 35 anos, morta após ser baleada por um policial enquanto escalava uma janela tentando entrar no Congresso. Ela era veterana do Exército e, segundo a mídia norte-americana, endossava teorias da conspiração como o QAnon, que apontava que Trump lutava contra uma rede de tráfico sexual infantil comandada por democratas e atores norte-americanos. Natural do Alabama, Keni Greeson, de 55 anos, foi o segundo morto a ser confirmado no local do protesto. Ele, que sofria de problemas de pressão, teve um ataque cardíaco. Rosanne Boyland, de 34 anos, teria sido pisoteada, e o fundador do site Trumparoo, que apoiava Trump, Benjamin Philips, de 50 anos, morreu após um derrame. O policial Brian Sicknick, que trabalhava no Capitólio desde 2012, foi internado ainda no dia 6 após ser atingido por um extintor de incêndio arremessado por um manifestante e teve a morte confirmada no dia 7. Depois da morte do policial, o chefe da Polícia do Capitólio, Steven A. Sund, renunciou ao cargo após pedido da presidente da Câmara, Nancy Pelosi.

Agora, as visitas ao prédio, que antes recebia 2,5 milhões de turistas por ano, são extremamente controladas e permitidas apenas para servidores do Congresso ou outros funcionários do complexo. O professor da ESPM lamenta que a situação tenha escalado a esse ponto e recorda de uma visita feita ao local no ano de 2016, quando visitantes de todo o mundo podiam agendar uma ida ao Congresso norte-americano com apenas alguns cliques no computador. “Era muito tranquilo. Você passava por uma revista ao entrar no Capitólio, mas não tinha um controle tão grande quanto agora. Isso é triste, porque se pensarmos, assim como o Congresso Nacional aqui no Brasil, o Capitólio é a casa do povo. É a casa dos representantes da sociedade, é o poder, de fato, da sociedade, que hoje tem um acesso muito mais limitado por causa dessa ameaça”, recorda. Pelo menos US$ 400 milhões (equivalente a R$ 2 bilhões) foram destinados em 2021 para melhorar o equipamento da polícia do Capitólio e instalar novas medidas de segurança, como detectores de metal. Nesta quinta-feira, 6, o presidente Joe Biden deve fazer um pronunciamento falando “a verdade” sobre o aniversário de um ano do ataque. Donald Trump, que tinha anunciado uma coletiva de imprensa para a data, cancelou o evento sem dar detalhes sobre o motivo de voltar atrás. Um comitê da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos investiga o incidente e analisa documentos de apoiadores, pessoas próximas e do próprio Trump para determinar se os parlamentares sabiam da possibilidade de violência no local. Não há qualquer previsão para um parecer sobre o assunto.

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