Os pobres, ocultos sob o “silêncio estatístico” na Argentina
Natalia Kidd.
Buenos Aires, 26 abr (EFE).- O instituto oficial de estatísticas da Argentina deixou de ser alvo de suspeitas por manipulação de dados ao abrir recentemente os índices de inflação e atividade econômica, mas, prisioneiro de suas próprias contas, silencia agora sobre quantos pobres há no país.
Os dados sobre a pobreza e a indigência correspondentes ao segundo semestre de 2013 deveriam ter sido divulgados na quarta-feira passada, mas o relatório desapareceu inesperadamente do calendário do Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec) e não foi reprogramado.
Um dia depois, o organismo argumentou que cancelou a divulgação do relatório porque trabalha em novas metodologias para caracterizar de maneira “mais eficiente” as condições sócio-econômicas da população.
Os dados do Indec são seriamente questionados por consultoras privadas e até por funcionários do próprio organismo desde que, no início de 2007, o ente introduziu mudanças metodológicas na medição da inflação.
Neste ano, o Indec apresentou uma nova metodologia para a medição dos preços ao consumidor e para o cálculo do Produto Interno Bruto, dando lugar a um reconhecimento de taxas de inflação maiores e níveis de expansão econômica menores aos informados até o ano passado.
A pobreza e a indigência são medidas a partir de cestas básicas de alimentos e serviços cujo valor se modifica mês a mês, impactado pela inflação.
Precisamente, o Indec alegou que, devido ao fato que existe um novo cálculo da inflação, teve que “descontinuar” a medição da pobreza que realizava desde 1993, argumento rejeitado pela oposição e por técnicos independentes.
Para Cyntia Pok, ex-diretora do Indec, a magnitude real da taxa de pobreza é três vezes maior à informada pelo organismo oficial, que em seu último relatório assegurou que a pobreza na população urbana se situou em 4,7% durante o primeiro semestre de 2013, enquanto o índice de indigência se situou em 1,5%.
Segundo a especialista, a partir das bases de dados do próprio ente, é possível deduzir que 20% das famílias do país tem rendas menores a um salário mínimo, que é de 3.700 pesos (pouco mais de R$ 1 mil) anuais.
De acordo com os últimos dados disponíveis, para o Indec há 1,2 milhões de pobres nos 31 conglomerados urbanos onde mede este indicador.
Mas para organismos não públicos os pobres na Argentina são na realidade entre 10 e 15,4 milhões, sobre uma população total de 40 milhões, e vão em aumento à medida que a inflação devora o bolso dos argentinos.
Por exemplo, para o Observatório de Dados Econômicos e Sociais da Confederação Geral do Trabalho, o índice de pobreza tocou 30,9% no último mês de janeiro.
“Não divulgaram os dados porque não se encorajam a reconhecer que a pobreza está em 30% como piso”, assegurou o economista e deputado opositor de esquerda Claudio Lozano, que dirige o Instituto Pensamento e Políticas Públicas.
Para esta entidade, a pobreza é de 36,5% e a indigência é de 12,1%, com 1,8 milhões de argentinos que caíram abaixo da linha da pobreza em 2013.
“A inflação faz com que a capacidade de compra seja menor e a maior despesa mensal dos pobres é o alimento. Isto os afeta de maneira particular e isso faz com que estejamos atravessando em alguns setores uma pobreza que dói”, disse o titular da Comissão Pastoral Social da Conferência Episcopal Argentina, Jorge Lozano.
Segundo o Observatório da Dívida Social da Universidade Católica Argentina, a taxa de pobreza ronda 27,5%.
“Não há nenhuma dúvida que a redução da pobreza e a indigência na Argentina nos últimos anos foi drástica pelo papel preponderante do Estado”, afirmou o chefe de Gabinete argentino, Jorge Capitanich, em resposta às críticas.
Segundo os números oficiais, a pobreza diminuiu progressivamente de 57,5%, o máximo que se registrou em outubro de 2002, após a explosão da última crise econômica, uma das mais severas que afetou o país.
Pela falta de dados atualizados, a deputada de centro-direita Patricia Bullrich pediu que o ministro da Economia, Axel Kicillof, dê explicações no Parlamento.
“Este governo não tem vergonha: negar a pobreza é coisa de miseráveis”, criticou a economista e ex-deputada opositora Fernanda Reyes, para quem o Executivo de Cristina Kirchner, desde 2007 na presidência, “usa aos pobres e os quer transformar em fantasmas”. EFE
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