Congresso sobe o tom e dá ultimato ao governo em meio ao agravamento da pandemia de Covid-19
Aumento expressivo no número de mortes diárias e ataques do presidente Jair Bolsonaro aos decretos de governadores incomodam as principais lideranças do Legislativo: ‘Todo mundo perdeu a paciência’
No momento mais grave desde o início da pandemia do novo coronavírus, o Congresso tem subido o tom e emitido diversos recados ao governo federal. Entre manifestações públicas e mensagens enviadas ao Palácio do Planalto por interlocutores do presidente Jair Bolsonaro, o recado é claro: com o colapso da rede hospitalar em quase todos os Estados e com a vacinação ainda em estágio inicial, é imperativo que haja uma mudança de postura por parte do Executivo e uma guinada na política do Ministério da Saúde no combate à Covid-19. Na manhã da quinta-feira, 18, Bolsonaro questionou, em conversa com apoiadores, a ocupação dos leitos de UTI e disse que é preciso separar os internados por Covid-19 de outras doenças. “Parece que só morre de Covid. Você pode ver, os hospitais estão com 90% das UTIs ocupadas. Quantos são de Covid e quantos são de outras enfermidades?”, disse a um grupo de pessoas no Palácio da Alvorada. À noite, em sua live semanal, voltou a defender o tratamento precoce — que não tem comprovação científica — , criticou medidas de restrição de circulação adotada por governadores e elogiou a gestão do general Eduardo Pazuello no comando da Saúde.
“Todo mundo perdeu a paciência. Não dá para o Parlamento assistir de forma passiva ao Brasil chegar a 3.000 mortes por dia e se aproximar de 300 mil mortos. O Parlamento precisa reagir e o presidente Bolsonaro precisa entender que, em momentos de crise, o país precisa de um líder nacional, que unifique a Federação, não que divida. As decisões relacionadas a lockdown são decisões da autonomia federativa de Estados e municípios. Então, é errado o presidente se meter nisso. Negar as orientações da Organização Mundial da Saúde também é um equívoco. Claro que o isolamento social não vai impedir a doença, mas é uma medida preventiva para evitar a superlotação de hospitais até que a gente tenha um índice de vacinação que imunize e nos devolva a normalidade”, disse o vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PL-AM), em entrevista à Jovem Pan. Sobre a troca no Ministério da Saúde, Ramos é taxativo: “A mudança ocorreu porque o ministro Pazuello perdeu totalmente a confiança por estabelecer cronogramas e quantitativos de doses que não se confirmaram. Por isso, exigimos do novo ministro que ele diga prazo, diga qual é o cronograma. ‘Ah, não tem vacina para comprar’. Não importa. O cronograma pode ser longo, desde que se confirme no futuro”.
No Congresso, os parlamentares estão divididos entre os que acreditam que o cardiologista Marcelo Queiroga terá autonomia para mudar os rumos do Ministério da Saúde e aqueles que não esperam nenhuma mudança. À Jovem Pan, o líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (DEM-PB), disse que a troca é “bem-vinda” e “muito importante” para dar credibilidade às ações da pasta. “A mudança no perfil é bem-vinda. Sai um militar, entra um médico. O cidadão brasileiro espera do Ministério da Saúde essa referência, essa voz da saúde, e o médico pode devolver essa orientação, que é muito importante nesse momento de pandemia, para que haja confiança em quem acreditar em meio a esse turbilhão de informações”, afirmou. Na terça-feira, 16, Queiroga afirmou que a definição da política de enfrentamento à crise “é do governo de Jair Bolsonaro” e que caberia ao Ministério da Saúde executar as ações. “O governo está trabalhando, as políticas públicas estão sendo colocadas em prática. Pazuello já anunciou todo o cronograma da vacinação. A política é do governo Bolsonaro, não é do ministro da Saúde. A Saúde executa a política do governo”, disse. Questionado se acredita, de fato, em uma guinada na condução da pasta, Efraim destacou que a declaração do novo ministro é “típica de momentos de transição”. “O doutor Queiroga buscou um ponto de equilíbrio para a largada, mas esperamos que a condução do ministério seja pautada por aquilo que tem respaldo da ciência.”
Como a Jovem Pan mostrou, entre aliados do presidente da República prevalece a leitura de que, no momento mais crítico do governo, o Palácio do Planalto recorreu a uma escolha de caráter pessoal, em detrimento de um nome apoiado por partidos da base – como era o caso da cardiologista Ludhmila Hajjar, que negou o convite na última segunda-feira, 15. Por isso, encaram com ceticismo a possibilidade de haver uma guinada na condução da pasta. Sob reserva, um cacique do Centrão afirmou que Bolsonaro seguirá a mesma cartilha dos últimos meses. “Essa ideia de ‘Bolsonaro paz e amor’ não existe. Dura algumas horas, algumas aparições, mas nas lives ele ataca governadores, defende remédios que a comunidade científica já refutou exaustivamente. Ele fala para o eleitor que segue ao seu lado, independentemente da crise ou do momento. E isso não vai mudar em hipótese alguma”, avalia. Por fim, apesar de o discurso da maioria do Congresso pregar união para superar o maior colapso sanitário e hospitalar da história do Brasil, como definiu a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), os fatos dos últimos dias fizeram ecoar, ao menos nos bastidores, uma palavra temida por qualquer presidente da República: o impeachment. “Depois do quarto ministro da Saúde, se nada mudar, fica evidente que o problema está em quem os indica”, resumiu à reportagem um presidente de partido de centro.
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