Empresário não explica relação com a Precisa e se cala diante do ‘passo-a-passo’ da fraude
Na CPI da Covid-19, José Ricardo Santana foi confrontado sobre sua relação com servidores da Saúde e a atuação de Francisco Maximiano no processo de venda de testes de coronavírus
Em seu depoimento à CPI da Covid-19, José Ricardo Santana, ex-secretário-executivo da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), órgão vinculado à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), não esclareceu sua relação com a Precisa Medicamentos, recorreu ao direito de permanecer em silêncio diversas vezes, afirmou reiteradamente que não se lembrava de fatos explorados pelos parlamentares e irritou os membros da comissão – o presidente, Omar Aziz (PSD-AM), ameaçou adotar uma “medida mais dura”. Ainda antes do primeiro intervalo da sessão, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) decidiu incluir Santana na lista de investigados pelo colegiado. Ele participou de um jantar, ao lado do então diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, no dia 25 de fevereiro, ocasião na qual Dias teria pedido propina para a compra de vacinas da AstraZeneca. “Não presenciei nenhum pedido de vantagem indevida”, se resumiu a dizer.
Os senadores apontaram diversas contradições que surgiram sempre que o depoente foi confrontado com mensagens obtidas a partir do aparelho telefônico do advogado Marconny Albernaz, apontado como lobista da Precisa Medicamentos. Logo no início da sessão, os parlamentares exibiram um áudio que José Ricardo Santana enviou a Albernaz. Na gravação, o depoente diz que se reuniu por muitas horas com a médica Nise Yamaguchi para elaborar um plano a ser apresentado ao presidente Jair Bolsonaro. Santana também afirma que o advogado seria importante para colocar a suposta proposta “de pé”. Questionado, disse aos senadores que não se lembrava de plano algum, mas admitiu que conheceu Albernaz na casa de Karina Kufa, advogada de Bolsonaro.
Para a cúpula da CPI da Covid-19, José Ricardo Santana atuava como um lobista dentro do Ministério da Saúde. Segundo a senadora Simone Tebet (MDB-MS), Santana recebia, enquanto esteve na Anvisa, aproximadamente R$ 35 mil mensais – ele disse aos parlamentares que não se lembrava do valor de seus vencimentos. No entanto, ele foi exonerado de seu cargo, a pedido, no dia 30 de março de 2020 e foi convidado por Roberto Ferreira Dias, para trabalhar na pasta, onde não receberia salários. “Ele era lobista dentro do Ministério da Saúde, foi levado para lá para fazer lobby. [Eduardo Pazuello e Elcio Franco] Tentam tirar o Roberto Dias, ele foi denunciado e perderia o cargo em 2020, por causa desse tipo de lobby. O governo quer demiti-lo e não consegue pela pressão que houve para mantê-lo no cargo. Não podendo demiti-lo, Elcio e Pazuello tiram os poderes do Roberto, demitem dois assessores diretos dele. Na reunião com a Davati, o Ricardo Santana não estava lá à toa. Ele sai da Anvisa, [o Roberto Dias diz] ‘vem para cá porque mesmo sem salário é mais negócio aqui’. Ninguém abre mão do salário em tempos de crise. Foi essa a participação dele nesse processo”, disse o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM).
Outros dois fatos não foram esclarecidos pelo depoente. Ainda segundo as mensagens em posse da CPI, no dia 2 de junho de 2020, Santana diz a Albernaz que ele e o coronel Marcelo Blanco, ex-assessor de Roberto Dias no Ministério da Saúde, teriam uma reunião com “um senador” para “desatar o nó” encontrado na negociação para a compra de testes de Covid-19 de baixa eficácia. No mesmo dia, ele diz a Marconny Albernaz que estaria no Departamento de Logística, órgão comandado por Dias. De acordo com o registro da portaria do ministério, Ricardo Santana se apresentou como servidor da Anvisa, agência da qual foi exonerado no dia 30 de março. Questionado por Humberto Costa (PT-PE) sobre quem seria “o senador”, o depoente ficou em silêncio. Ricardo Santana se mostrou surpreso com as mensagens obtidas pelos senadores. Em determinado momento, uma de suas conversas com o advogado que o acompanha vazou no microfone. “Será que é meu celular que está aí?”, perguntou.
‘Passo-a-passo’ para a fraude
Como a Jovem Pan mostrou, depois do intervalo, o senador Randolfe Rodrigues exibiu uma troca de mensagens, obtidas pela CPI a partir do celular do lobista Marconny Albernaz Faria, que revelam a atuação de Francisco Maximiano, dono da Precisa, para fraudar contratos para a compra de testes de detecção do coronavírus. Maximiano envia a Albernaz um “passo-a-passo” de etapas que deveriam ser seguidas para que sua empresa pudesse vender os itens, de baixa eficácia, ao governo federal. A operação criminosa teve a participação de José Ricardo Santana, Faria e Roberto Dias. “Essa é a arquitetura ideal para prosseguir”, diz Max. “A equipe lá dentro [do Ministério da Saúde] está afinada, aguardando o Bob avocar o processo”, prossegue. Bob é a referência a Roberto Ferreira Dias. Depois da revelação, Santana não respondeu a praticamente nenhuma pergunta.
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