Governo monta ‘operação de guerra’ e conta com voto da oposição para aprovar PEC das Bondades

Parlamentar que se ausentar na votação da terça-feira, 12, pode ter salário cortado; partidos de esquerda trabalham para derrubar estado de emergência do texto

  • Por André Cardoso e Caroline Hardt
  • 10/07/2022 08h26
Michel Jesus/Câmara dos Deputados Deputados durante sessão Parlamentares conversam com o presidente da Câmara, Arthur Lira, durante sessão deliberativa

O inesperado adiamento da votação na Câmara dos Deputados da Proposta da Emenda à Constituição (PEC) 15/2022, também chamada de PEC das Bondades, foi comemorado como uma vitória da oposição frente à manobra eleitoral proposta pelo governo, que busca instituir o decreto de emergência no Brasil para criar e ampliar benefícios sociais a menos de três meses das eleições. Resultado do baixo quórum em plenário, a suspensão da sessão foi vista como uma derrota do Executivo, que se empenhava nas últimas semanas para votar – com urgência – o texto encaminhado pelo Senado e aprovado em comissão especial na Câmara por ampla margem: 36 votos a 1. Parlamentares da oposição dizem que começa a se criar uma resistência dos próprios governistas à proposta, o que justificaria a ausência dos deputados nesta quinta-feira, 7 – quando o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), adiou a votação, 427 parlamentares haviam registrado presença. Para evitar uma nova surpresa na terça-feira, 12, quando a matéria deve ser analisada, o deputado do PP montou, com o apoio do Palácio do Planalto, uma verdadeira operação de guerra, que prevê, inclusive, o corte no salário do ausente, para garantir a aprovação do texto.

“O governo perdeu o controle da base, porque está repercutindo mal na sociedade. Os deputados foram saindo de mansinho, diminuiu o quórum e o presidente Lira ficou com medo de não ter os 308 votos que precisa para votar e ver escapando pelos dedos o que está na mão”, disse à Jovem Pan o deputado federal Pompeo de Mattos (PDT-RS), vice-líder da sigla na Câmara. O pedetista diz, ainda, que se o governo não conseguir persuadir parlamentares da base, outros adiamentos podem ocorrer. Para o gaúcho, a ausência é um sinal claro de que integrantes de partidos que dão sustentação ao governo Bolsonaro não querem colocar a digital em um projeto que tem sido amplamente criticado por especialistas em contas públicas e que deve ser judicializado nas próximas semanas. “Por que tinham poucos deputados votando, se podia votar online? Os deputados não votaram não é porque não puderam, é porque não quiseram”, completa Mattos. Para o deputado federal Reginaldo Lopes, líder do PT na Casa, o baixo quórum evidencia a “demagogia eleitoral” do Executivo, que publicamente defende a aprovação da matéria, mas não mobiliza deputados para a votação. “Ficaram com medo de perder os destaques, que tirava o estado de emergência e garantia a democracia brasileira, ao mesmo tempo que colocava R$ 600 no programa. Eles não tiveram coragem de comparecer, então a responsabilidade é da base do governo”, disse à reportagem.

Essa percepção, no entanto, não se limita aos partidos de oposição, sendo também compartilhada por outros parlamentares, como o deputado federal Marcel Van Hattem (Novo-RS). Na comissão especial, o deputado Alexis Fonteyne, do Novo, foi o único a votar contra o relatório do deputado Danilo Forte (União Brasil-CE). “No último placar, na votação de um requerimento de encerramento de discussão, o governo conquistou 303 votos. Isso acendeu o alerta para a possibilidade de a oposição conquistar os votos para aprovar alguns destaques”, afirmou Van Hattem à Jovem Pan. O líder do governo no Congresso Nacional, senador Eduardo Gomes (PL-TO), nega que tenha havido falha do Planalto na articulação. “Atribuo essa ausência à semana muito agitada. Tivemos sessão do Congresso, muitas matérias aprovadas, vetos analisados. Foi uma semana extensa e de muito trabalho. Soma-se a isso a expectativa de convenções partidárias. Nessa época do ano, acentuam-se os encontros partidários e as reuniões para fechamento de trabalho nos finais de semana, os parlamentares voltam para as suas bases”, disse Gomes à reportagem.

Redução de danos

Apesar das críticas à PEC, a oposição deve votar a favor da proposta no plenário. Dentro do PT, prevalece o argumento de que boa parte dos itens incluídos no projeto, como o aumento do Auxílio Brasil para R$ 600, vinham sendo defendidos há meses. Pompeo de Mattos diz que o adiamento da votação permite que os parlamentares possam conversar “e contar para o povo qual o significado da PEC das Bondades: conquistar votos dos eleitores”. “A base do governo tem falado que quem tem fome, tem pressa, mas apenas nesse período de pré-campanha eleitoral, porque durante os três anos e seis meses eles não tiveram nenhuma solidariedade e empatia com o povo brasileiro”, acrescenta Reginaldo Lopes, que promete votar a favor do texto, desde que seja retirado o decreto de emergência e aprovado destaque para tornar os benefícios permanentes. “Não vamos aceitar abrir uma porta para o governo dar golpe”, finaliza.

Votação e consequências eleitorais da PEC

Ainda que parlamentares contrários ao texto tenham obstruído a votação em plenário, dificilmente a proposta será derrotada. Como a Jovem Pan mostrou, a PEC das Bondades é vista por ministros do governo e por parlamentares da base aliada como “a cartada mais arrojada” para melhorar o desempenho do presidente Jair Bolsonaro nas pesquisas, em especial, junto ao eleitorado mais pobre. Pesquisa Datafolha divulgada no final de maio mostrou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula (PT) possui 59% das intenções de voto entre beneficiários do Auxílio Brasil, que substituiu o Bolsa Família, ante 20% do mandatário do país. Levantamento da Genial/Quaest feito em Minas Gerais e divulgado nesta sexta-feira, 8, aponta que, entre quem recebe até dois salários mínimos, o petista lidera por 59% a 16%. O caso mineiro é extremamente particular: desde 1989, o candidato vitorioso no Estado chegou à Presidência da República.

Um dirigente do PT envolvido com a campanha do ex-presidente Lula admitiu à Jovem Pan que a PEC das Bondades deve render dividendos eleitorais para Bolsonaro. Ninguém se arriscar a dizer, porém, qual o tamanho da influência desse pacote de benefícios no resultado final do pleito. “Dinheiro na veia é sempre importante, sobretudo nesse momento de carestia, mas o eleitor saberá que Bolsonaro virou as costas para ele durante todo o mandato. Mais: a menos de três meses da eleição, o impacto nas pesquisas não deve ser tão grande quanto os governistas alardeiam”, disse à reportagem um parlamentar da sigla. “Qualquer debate político fica em segundo plano, quando a discussão é socorrer os mais pobres nessa situação tão grave”, diz Eduardo Gomes, líder do governo no Congresso. O senador se diz otimista com a possibilidade de os benefícios começarem a ser pagos entre o fim de julho e o início de agosto. Ele nega, porém, que o Planalto esteja preocupado com o resultado das pesquisas. “Se dependesse de pesquisa, Bolsonaro não seria presidente e eu não seria senador. Quem deve estar torcendo para isso dar errado é a oposição”, finaliza.

Relatado em plenário pelo deputado Christino Áureo (PP-RJ), o texto da PEC das Bondades empenha R$ 41,25 bilhões da União para permitir o aumento de R$ 200 (de R$ 400 para R$ 600) mensais ao Auxílio Brasil; incremento médio de R$53 no vale gás a cada dois meses; criação do voucher caminhoneiro de R$ 1 mil mensais e também do auxílio aos taxistas, além de reservar recursos para garantir a gratuidade do transporte coletivo a idosos e também a manutenção da competitividade do etanol. A proposta foi aprovada na sexta-feira, 1º, no Senado Federal, com 72 votos favoráveis, 1 contra e 0 abstenções. O texto também é alvo de mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) pela Frente Parlamentar Mista dos Caminhoneiros Autônomos e Celetistas, que questiona a constitucionalidade da proposta e fala em riscos para a democracia brasileira.

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