‘Ministro político’, Cascavel se diz facilitador e nega ter tido ‘poder decisório’ na Saúde
Ex-assessor especial de Pazuello, Airton Soligo foi questionado sobre compra de vacinas, crise de Manaus e atuação informal na pasta
Em seu depoimento à CPI da Covid-19, Airton Soligo, conhecido como Cascavel, negou que tenha tido “poder decisório” no Ministério da Saúde, tendo atuado apenas como um facilitador de questões políticas. Próximo ao ex-ministro Eduardo Pazuello, Cascavel era tido por prefeitos, governadores e secretários de Saúde como “ministro político” e “ministro de fato”. Apesar de ter sido assessor especial de Pazuello por nove meses, o depoente atuou informalmente na pasta por meses. “Quero diminuir essa importância que as pessoas me atribuem nessa relação com Estados, com municípios”, disse. “Nunca vi um secretário municipal ou estadual me condenar por qualquer atitude. Pelo contrário, diziam que eu ajudava a facilitar, ajudava a facilitar a burocracia pública, para que as coisas acontecessem. Foi esta a minha função, a de fazer acontecer”, acrescentou. Ex-deputado federal, ele admitiu, no entanto, que foi escalado para o posto porque os militares lotados na pasta não tinham “traquejo político do trato”.
Apesar de tentar diminuir sua importância no Ministério da Saúde, os senadores relataram, durante a sessão, episódios nos quais Cascavel intermediou reivindicações dos parlamentares. Foi o caso, por exemplo, da senadora Simone Tebet (MDB-MS). “Fui implorar por 20 respiradores para um hospital para a capital do meu Estado. Essa senadora pedia pelo amor de Deus 20 tubos de oxigênio para colocar nos hospitais regionais. Era para falar com o ministro de Estado. Fui atendida por um empresário, Vossa Senhoria. E Vossa Senhoria não estava na função de assessor especial. O senhor não poderia ter atendido uma senadora sem ter sido nomeado”, disse a emedebista. No período da tarde, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) contou que o braço-direito de Pazuello atendeu a uma demanda do governo do Estado do Sergipe. “O atendimento aconteceu e isso, de alguma forma, mitigou o sofrimento dos sergipanos. Mas a sua participação foi irregular”, afirmou Vieira. O vice-presidente da CPI da Covid-19, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) disse que a atuação de Cascavel pode ser enquadrada no artigo 328 do Código Penal, que versa sobre a usurpação do exercício da função pública.
Cascavel também foi questionado sobre a crise de oxigênio que atingiu a cidade de Manaus, capital do Amazonas, em janeiro deste ano. O depoente afirmou que o governo Bolsonaro enviou aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) e nove carretas que carregaram o insumo a partir do Rio de Janeiro, em uma operação que, segundo ele, demorou oito dias. A resposta gerou reação dos senadores Omar Aziz (PSD-AM) e Eduardo Braga (MDB-AM), que já foram governadores do Estado. “Você sabe quantas horas nós estamos da Venezuela? Duas horas”, disse Aziz. “Não fizeram nada. Não foram capazes, não tiveram a humildade de recorrer a um país vizinho por questões ideológicas. Eu estava lá, eu vivi isso, e não digo isso com prazer. Eu e o senador Eduardo Braga recebíamos mensagens dizendo ‘pelo amor de deus, meu pai está morrendo, preciso de oxigênio'”, acrescentou o presidente da comissão. “O oxigênio começou a faltar dia 9 [de janeiro], o oxigênio do Rio de Janeiro chegou no dia 25. O oxigênio que veio da Venezuela chegou no dia 20. O Pazuello, o Elcio e a Mayra Pinheiro vieram aqui com uma historinha de que foram três dias de crise. Mentira. Todo amazonense sabe que sofremos uma falta de oxigênio desesperadora durante 20 dias. Tínhamos um avião da Força Aérea americana à disposição e o governo não informou os detalhes técnicos para trazerem o oxigênio. O governo brasileiro ficou de braços cruzados. Isso que é omissão, é crime contra a saúde pública”, ressalou Braga.
O ex-assessor de Pazuello afirmou, ainda, que não negociou compra de vacinas. “Mesmo não podendo comprar, como nenhuma lei permitia, eu teria comprado a Pfizer, eu teria comprado a Janssen. Se dependesse de mim, se eu tivesse esse poder, eu estaria aqui hoje respondendo por que tinha comprado”, explicou. Segundo a sua versão, ele atuou, sobretudo, para pacificar a relação entre o governo Bolsonaro e o Estado de São Paulo no processo de aquisição da Coronavac. O acordo do Ministério da Saúde com o Instituto Butantan chegou a ser suspenso em outubro de 2020, após o presidente da República desautorizar publicamente o então ministro da Saúde. “É simples assim: um manda e o outro obedece”, disse o então comandante da pasta em um vídeo ao lado do chefe do Executivo federal.
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