Moraes fala em associação criminosa em decisão que autoriza prisão de Mauro Cid
Em documento obtido pela Jovem Pan, ministro do STF diz, baseado no relatório da PF, que há ‘fortes indícios’ de que ex-ajudante de ordens e outros cinco praticaram ao menos seis crimes
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), retirou na tarde desta quarta-feira, 3, o sigilo dos documentos que envolvem a Operação Venire, da Polícia Federal, que teve como um dos alvos o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), por supostas irregularidades envolvendo dados vacinais. Em despacho que autorizou a prisão de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o ministro da Suprema Corte cita a existência de uma associação criminosa voltada para a prática de fraudes envolvendo a inserção de dados falsos nos sistemas do Ministério da Saúde. “A Polícia Federal aponta a existência de uma associação criminosa com vários beneficiários, entre eles uma parlamentar federal, para a inserção de dados falsos nos sistemas do SUS, possibilitando aos investigados a obtenção dos benefícios do certificado de vacinação sem que, necessariamente, tenham se vacinado”, disse o ministro.
No total, seis pessoas estariam envolvidas no esquemas. São elas: o coronel Mauro Cesar Barbosa Cid; o sargento Luis Marcos dos Reis; o ex-major do Exército Ailton Gonçalves Moraes Barros; secretário municipal João Carlos de Sousa Brecha; Max Guilherme Machado de Moura, que teria utilizado o documento falso em três ocasiões; e Sergio Rocha Cordeiro, que também teria se beneficiado da fraude em cinco momentos distintos. Segundo Alexandre de Moraes, há “fortes indícios” de materialidade e autoria de seis crimes pelos investigados: associação criminosa, falsidade ideológica, uso de documento falso, inserção de dados falsos em sistema de informações, corrupção de menores e infração de medida sanitária preventiva. O ministro determina busca e apreensão de armas, munições, computadores, celulares, passaporte e de outros dispositivos eletrônicos dos seis suspeitos de associação e de outros possíveis beneficiados pelo esquema, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro e o deputado federal Gutemberg Reis de Oliveira.
A Polícia Federal deflagrou, nesta quarta-feira, 3, a Operação Venire, que resultou na prisão de seis pessoas e no cumprimento de 16 mandados de busca e apreensão. O relatório da PF mostra que o esquema criminoso visava fraudar dados de carteiras de vacinação. Na decisão que autorizou a operação, o ministro Alexandre de Moraes considerou “plausível” a linha de investigação de que o grupo ligado a Bolsonaro inseriu informações falsas no ConectSUS para obter vantagens ilícitas. No caso específico de Bolsonaro, a fraude nos cartões do ex-presidente e de sua filha Laura ocorreu no dia 21 de dezembro de 2022, dias antes de viajarem aos Estados Unidos após a derrota na eleição presidencial. “Inicialmente a Polícia Federal analisou os dados encaminhados pela CGU em relação aos registros e exclusões das vacinações em nome do ex-Presidente da República Jair Bolsonaro. As inserções das duas doses da vacina da fabricante PFIZER no sistema SI-PNI do Ministério da Saúde foram realizadas em sequência no dia 21/12/2022 às 18h59min e às 19h00min, pelo operador João Carlos de Sousa Brecha, como tendo sido aplicadas no Centro Municipal de Saúde de Duque de Caxias no município de Duque de Caxias”, diz o relatório de 114 páginas da PF. Bolsonaro mantém a versão de que não se vacinou. “Não tomei vacina. Não existe adulteração da minha parte, não tomei a vacina”, afirmou nesta quarta-feira.
Os investigadores também afirmam que o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro Mauro Cid pediu a um auxiliar que fraudasse um comprovante de vacinação em nome de sua esposa, Gabriela. Em conversas no aplicativo de mensagens WhatsApp, Cid pede a Luis Marcos dos Reis, na época supervisor da Ajudância de Ordens da Presidência da República, que incluísse informações sobre imunização de Gabriela. “Contigo aí, tá? Joga na minha conta. E vê aí em Goianésia se tem algum cara que não seja cadastrado no CONECTE SUS. Vou ver depois, no Exército se tem algum enfermeiro que você que fazer para mim”, diz Cid a Reis, que responde: “Eu já voltei já, coronel, mas eu deixei lá com meu sobrinho lá, ver se ele consegue lá. É, tem só essas duas pessoas tem o meu sobrinho e o Vandir lá. Aí tento aqui. Eu estou indo amanhã para a missão lá de Guaratinguetá! No retorno, a gente vai cair em cima disso aí, tá bom? Não falei para ele que ficou questionando porque nenhum coordenador ficou sabendo e tal. Eu falei assim, foi ordem do coronel e chegando aí pessoalmente, eu, eu explico para o senhor o que aconteceu. Falei, pro tenente Alencar, pode deixar que eu administro lá”. O sobrinho citado é Farley Vinicius Alcântara, médico na cidade de Cabeceiras (GO).
O relatório enviado ao Supremo também mostra que Farley inseriu no cartão adulterado em nome da esposa de Cid dados de uma carteira de vacinação de uma enfermeira da cidade de Cabeceiras. “Por fim, Farley Vinicius Alcantara, possivelmente, visando dar aparência de veracidade ao conteúdo ideologicamente falso, inseriu no documento sua assinatura com carimbo e número de seu CRM”, afirma a investigação. Dados sobre a localização do celular, obtidos pela PF, no entanto, comprovam que Gabriela estava em Brasília nos dois dias em que o cartão apontam que ela tomou vacina em Goiás. Na sequência, o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro acionou Eduardo Crespo Alves, militar da reserva e advogado, com o intuito de inserir os dados no sistema do governo federal. Entre os dias 21 e 22 de novembro de 2021, Alves e Cid trocam áudios sobre as tratativas. “Chefe, 90% já confirmado, tá? É só deu um probleminha lá com o negócio do, da, do CPF, mas a pessoa teve que sair. E amanhã eu já resolvo, já dou pronto para o senhor, tá ok?”, disse o segundo-sargento ao ex-ajudante de Bolsonaro.
No dia 24 de novembro, Crespo Alves diz que uma pessoa, identificada apenas como “ela”, enfrentava dificuldades para inserir os dados no sistema do Ministério da Saúde. Neste momento, o próprio segundo-sargento diz que as plataformas do governo federal entendiam a manobra como uma tentativa de fraude. “Infelizmente, ela não está conseguindo porque o sistema daqui não aceita, não está aceitando, o, o, a vacina que ela tomou. O lote que veio para o Rio de Janeiro é diferente. Não tem esse lote aqui, então você, o sistema não aceita. Eles entendem como fraude, entendeu? Ela está pedindo aqui se a gente consegue a unidade que ela falou que vai fazer um contato lá com o pessoal do SUS. Mas precisa saber o nome da unidade”, diz Alves em áudio enviado a Cid.
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