Prefeitura arrecada apenas 1,4% das multas aplicadas por calçada irregular

  • Por Estadão Conteúdo
  • 05/09/2016 09h03
Reprodução/SPTRANS Sumaré ciclovia

A Prefeitura de São Paulo arrecadou 1,4% das multas aplicadas por meio da Lei das Calçadas desde que ela foi sancionada, há três anos. De maio de 2013 a abril deste ano, o governo municipal recebeu R$ 1.088.691, de um total de R$ 77.532 301 devidos. No período, 2.913 penalidades foram canceladas em decorrência de erros de processamento ou porque o reparo foi feito. Os dados foram obtidos pelo jornal O Estado de S. Paulo por meio da Lei de Acesso à Informação.

A Lei 15.733, ou Lei das Calçadas, estabelece padrões técnicos de acessibilidade e segurança, como largura mínima de 1,20 metro para a passagem de pedestres e inclinação de acordo com o meio-fio. Ela também diz que a responsabilidade do calçamento é tanto do proprietário quanto do locatário de residências e comércios (mais informações no quadro ao lado).

Se o passeio não estiver conforme determina a lei, o responsável é notificado e tem 60 dias para adequá-lo. Caso o problema não seja resolvido, uma multa de R$ 300 por metro em linha reta de calçada irregular é emitida a cada 60 dias. Quando o conserto não é realizado, a Prefeitura pode fazer as modificações e cobrar a despesa do cidadão.
Caso a caso 

O secretário adjunto da Coordenação das Subprefeituras, José Rubens Domingues Filho, reconhece que o valor recebido é baixo, mas afirma que “as ações não podem ser consideradas por esse êxito”. Ele cita questões relacionadas “à efetivação do serviço financeiro”, como, por exemplo, falha na comunicação da subprefeitura com a Secretaria Municipal de Finanças. “Tem de ver, caso a caso, por que a cobrança não foi feita”. 

A multa é feita à mão pelos fiscais e, segundo o secretário adjunto, erros de preenchimento podem levar a recursos e ao não pagamento da infração. Um sistema eletrônico deve ser implementado. A Prefeitura não sabe dizer quantas das 2.913 penalidades canceladas foram em consequência da regularização do passeio. Também não sabe informar quantos proprietários entraram com recurso nem o tempo médio do julgamento.

A administração municipal informou que tem mais de 480 agentes para vistoriar os pavimentos da capital, além de outras 700 irregularidades, e fazer mais de 1,4 mil diferentes autuações, intimações, interdições, apreensões e embargo de obras.

Acidentes 

Uma das fundadoras da associação Cidade a Pé, a urbanista Meli Malatesta se tornou uma das vítimas das calçadas irregulares da capital. Ela ia à noite para casa, nos Jardins, zona sul, em outubro do ano passado, quando tropeçou no piso desnivelado na frente de um condomínio e caiu. Na queda, torceu o tornozelo e fraturou um osso. “Fiquei um mês usando bengala. Foram 40 sessões de fisioterapia, e continuo com sequelas, com problemas de articulação”, diz.

Acidentes em calçadas também trazem prejuízos aos cofres públicos. De acordo com estudo feito pelo Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas, 18% das vítimas de quedas atendidas se acidentaram na rua. Destas, 40% por causa de buracos. O custo de um paciente internado por este motivo pode chegar a R$ 40 mil ao Sistema Único de Saúde (SUS), estima a pesquisa.

Para Meli, a queda deu mais motivos para defender a melhoria da mobilidade por meio da Cidade a Pé, criada em abril do ano passado. “É preciso ver a caminhada como transporte primordial. O transporte coletivo é alimentado por pessoas a pé, só que elas não são entendidas como uma rede, que se integra e alimenta o sistema de transporte público”.

Subprefeitura da Sé lidera ranking, com 1,1 mil punições

Com 1.114 punições, a Subprefeitura da Sé, na região central, foi a campeã em número de multas aplicadas desde 2013. Diariamente, 3,5 milhões de pessoas passam pela área, que engloba bairros como República, Bela Vista e Santa Cecília e tem 18 agentes de fiscalização. Cada subprefeitura tem uma equipe encarregada de fazer vistorias periódicas a calçadas, muitas vezes motivadas por denúncias ao 156, sistema de atendimento da Prefeitura.

No ranking de multas aplicadas, depois da Sé estão as Subprefeituras de Pinheiros/Itaim-Bibi e da Casa Verde, com 853 e 828 penalidades, respectivamente. Na outra ponta do ranking está a Subprefeitura de Cidade Tiradentes, que aplicou 6 multas, seguida pela de Sapopemba (11) e de Parelheiros (41).

A Prefeitura afirma que abrirá um processo para apurar a causa do número inexpressivo de registros. 

‘Cidadão também é culpado’, afirma especialista

Especialistas ouvidos pelo jornal O Estado de S. Paulo afirmam que a Lei das Calçadas é bem elaborada tecnicamente, mas que, na prática, não é realidade nas ruas da capital. “É preciso entender que o espaço público é de responsabilidade pública. A sociedade, aos poucos, está mais consciente”, afirma o diretor de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Valter Caldana.

Ele explica que o modelo de urbanização aplicado no País nos últimos 40 anos colocou o pedestre em último lugar, priorizando os automóveis. “A administração pública não conseguiu estabelecer uma zeladoria urbana”, acredita.

O professor de Arquitetura da Universidade de São Paulo (USP) Silvio Macedo concorda que a lei é correta na teoria. “Mas, como a Prefeitura não fiscaliza, ela se torna inócua. Você consegue 300 multas em um só quarteirão em diversos lugares, se for ver. Os cidadãos também são culpados. Cada um quer ganhar individualmente. Aí o coletivo sai perdendo”.

Ana Carolina Nunes, do movimento SampaPé, diz que o cidadão também deve fazer o “dever de casa” e se juntar aos vizinhos para lutar pela regularização de calçadas. “A situação das calçadas é uma questão de negligência não só do poder público, mas também dos proprietários dos lotes. Eu não acho que vai se resolver enquanto a população só esperar a subprefeitura fiscalizar. É preciso haver uma mudança de mentalidade”.

O material indicado é o bloco intertravado de concreto, vendido somente em grande quantidade, suficiente para todo um quarteirão Ou seja, muitas vezes depende de os vizinhos concordarem com a obra. O serviço fica em torno de R$ 180 por metro quadrado. 

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