É preciso cuidado com a cultura do cancelamento, pois ela pode ser drástica e fatal

Atitude pode trazer consequências principalmente para adolescentes, que estão em um período da vida permeado de incertezas, e pessoas com ansiedade ou depressão sem o devido respaldo emocional

  • Por Camila Magalhães
  • 22/10/2020 10h00
Eric Ward/Unsplash Questão do cancelamento tem sido muito pouco estudada cientificamente

O termo cancelamento, associado àquilo que se chama de cultura do cancelamento, anda muito em voga ultimamente. Ele se refere ao ato de “cancelar” alguém, uma atitude que começa nas redes sociais e pode se estender para o mundo fora do digital também. Cancelar pode ser visto como uma forma de boicote, de reprimenda, ou de contrarreação a alguém ou alguma atitude. O cancelamento não ocorre somente com pessoas famosas, mas muitas vezes pessoas desconhecidas que viralizam nas redes sociais por alguma atitude questionável e, em decorrência disso, perdem emprego, são humilhadas e excluídas – canceladas – dos ambientes que antes frequentavam.

O cancelamento pode ser visto como uma forma de buscar justiça. É um sentimento comum, entre todos nós, achar que alguém pagou menos do que devia por suas atitudes. Muitas vezes, os processos que acontecem pela “justiça tradicional”, digamos assim, não são satisfatórios para a maioria das pessoas. Desse ponto de vista, o cancelamento seria uma forma de se buscar a “justiça” desatrelada das amarras jurídicas que estão em jogo nas sociedades democráticas. Aqueles que julgam, acabam também forçando uma sentença que lhes agrada, e muitas vezes a imparcialidade é deixada de lado e o “outro lado” não é ouvido.

A questão não deve ser “demonizar” a cultura do cancelamento. É preciso compreender que ela muitas vezes parte de pessoas que sofrem injustiças históricas cotidianas. Diante desse acuamento, algumas pessoas encontram no “cancelamento” uma maneira de lutar. A grande questão é que isso pode tomar proporções gigantescas nas redes sociais, e muitas vezes embasadas em poucos elementos. Como sabemos, é difícil articular uma argumentação detalhada no Twitter ou no Facebook, e isso pode acabar sentenciando pessoas com base em posições ou argumentos fora do contexto.

Por ser algo recente, a questão do cancelamento tem sido muito pouco estudada cientificamente. Nós não temos ainda a dimensão de quanto isso pode afetar a saúde mental das pessoas, mas os relatos esporádicos que existem por aí não são favoráveis. O cancelamento pode ser drástico e fatal, principalmente quando pensamos em adolescentes, que estão em um período da vida permeado de incertezas e inseguranças, ou mesmo em pessoas diagnosticadas com ansiedade ou depressão sem o devido respaldo emocional para enfrentar adversidades. Apontar os erros de alguém e criticar suas atitudes não deveria escalar para o cancelamento, principalmente quando se trata de uma pessoa desconhecida e sem recursos para fazer sua voz e seu lado da história serem ouvidos. O diálogo, a argumentação e a possibilidade de mudar de opinião sempre são saídas que engrandecem ambos os lados.

Se tiver algum comentário, ou quiser sugerir algum tema, escreva pra mim: no instagram @dra.camilamagalhaes ou dracamila@jovempan.com.br.
Até a próxima!

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