A nostálgica Pensão Humaitá e sua importância para a cultura do vinho no Brasil

Famosa casa surgiu na década de 30 do século passado, em São Paulo; entretanto, o batismo deu-se anos depois, com a participação do Mestre do Bem Viver, Marcelino de Carvalho

  • Por Esper Chacur Filho
  • 09/04/2021 10h00
Esper Chacur Filho/Jovem Pan garrafa de vinho, taça com meio copo cheio e livro. vela acesa Grande foco dos almoços era o vinho de Bordeaux, já que a adega de Yan era das mais ricas em tal região francesa

Todos os dias, aqueles que gostam de vinho como eu, ouvem falar de confrarias, técnicas, sejam novas ou antigas. Nestes dias de pandemia, que passarão, as confrarias virtuais começaram a surgir, e algumas antigas a se reinventar. A mais velha que tenho notícia e que, possivelmente, é a que mais prestou serviços à cultura do vinho no Brasil, foi a Pensão HumaitáA famosa Pensão surgiu na década de 30 do século passado e o nome foi fruto de sua localização, na esquina da Av. Brigadeiro Luís Antônio com a rua Humaitá, em São Paulo. Entretanto, o batismo deu-se anos depois, com a participação do Mestre do Bem Viver, Marcelino de Carvalho, um dos maiores conhecedores de Vinho do Porto na época.

Marcelino, como era conhecido Antônio Marcelino de Carvalho, foi jornalista, escritor, cronista e um mestre de etiqueta nos anos de 1950, tendo seus livros permanecido clássicos nas décadas seguintes. Ele era filho de Antônio Marcelino de Carvalho e Dona Brasília Machado de Carvalho. Já quem dirigia a Pensão era o Professor João Fernando de Almeida Prado, mais conhecido por Yan de Almeida Prado. Intelectual, bibliófilo, historiador e participante ativo da Semana de Arte Moderna, aproveitou seu período de estudos na Europa no começo do século passado para aprimorar seus conhecimentos em torno do vinho e da boa mesa. Yan era um fervoroso anticomunista, considerado conservador e reacionário por alguns intelectuais e jornalistas de esquerda da época. Mas, em sua casa, recebia jornalistas como Assis Chateaubriand, Júlio de Mesquita Neto e Monteiro Lobato. Era, de verdade, um democrata. Tinha contatos preciosos para abastecer sua refinada adega e partilhá-la com sabedoria entre seus confrades e amigos. 

Por mais de cinquenta anos, Yan recebeu seus amigos para o almoço aos sábados. Embora em certa época tenha mudado de endereço, na rua Guaianases num bonito casarão, o nome permaneceu. Entre os confrades mais assíduos havia nomes como Leonardo Arroyo, Francisco Matarazzo Sobrinho (Ciccillo Matarazzo), João de Scantimburgo, José Tavares de Miranda, Olinto Moura, Octales Marcondes, Paulo Ayres, Pedro Kalim Cury e evidentemente, Marcelino de Carvalho. É verdade que o grande foco dos almoços era o vinho de Bordeaux (a adega de Yan era das mais ricas em tal região francesa), entretanto, foi por lá que passaram pela primeira vez os grandes Bourgognes, ícones como Vega-Sicília e brancos como o Egon-Müller, chamado por muitos como o “Riesling Eterno” por conta de sua longevidade. Por fim, não posso deixar de destacar que tive a oportunidade de conviver com um ou outro quando comecei a engatinhar no mundo do vinho, e o meu amor pela bebida nasceu deste convívio. Para aqueles que quiserem conhecer mais sobre a Pensão, e sobre a história de São Paulo, recomendo o livro de João de Scantimburgo “Memórias da Pensão Humaitá – Crônica nostálgica da legendária casa de Yan de Almeida Prado”. Salut!

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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