Qual é o limite de atuação dos órgãos de controle no Brasil

Será que os controladores detêm competência constitucional para rever as escolhas discricionárias do gestor público? E, sob a indeterminação da lei, quem deve ter a última palavra?

  • Por Fernando Vernalha
  • 02/05/2021 09h00
Pixabay martelo marrom jurídico apoiado em cima de uma mesa Ativismo dos órgãos de controle é considerado um risco para o equilíbrio entre as forças institucionais do país

Considerado um risco para o equilíbrio entre as forças institucionais do país, o ativismo dos órgãos de controle é um fenômeno em expansão. Em muitas situações, ele tem trazido mais alívio do que preocupação. É o que se passa com as intervenções judiciais voltadas a coibir as reiteradas violações do governo federal a deveres constitucionais no contexto da crise sanitária. Há aqui um “ativismo” necessário, com justa causa. Mas nem sempre o ativismo do controle se justifica. No setor de infraestrutura, tem sido cada vez mais comum que tribunais de contas e juízes intervenham em decisões administrativas e regulatórias, tornando-as precárias e revisíveis. Costuma-se dizer que a segurança jurídica no Brasil está mais atrelada ao que pensam os tribunais de contas do que ao que diz a lei e o direito.

O fenômeno do ativismo evoca uma discussão histórica acerca dos limites de atuação dos órgãos de controle quanto ao mérito técnico, político e jurídico das decisões administrativas e regulatórias. Será que os controladores detêm competência constitucional para rever as escolhas discricionárias do gestor público? E, sob a indeterminação da lei, quem deve ter a última palavra? Há muitas explicações para esse ativismo. Da perspectiva da teoria jurídica, a valorização de princípios jurídicos como a razoabilidade, a moralidade e a eficiência, ao longo das últimas décadas, acabou por propiciar a ampliação do controle jurídico sobre decisões administrativas de cunho técnico ou político. Mas quem tem a última palavra para dizer o que é moral, o que é razoável ou o que é eficiente? No mundo prático, os controladores têm se investido desta prerrogativa. Ocorre que o nosso regime constitucional de repartição de competências reserva ao administrador – e não ao controlador – esse papel, razão pela qual os controladores deveriam ser deferentes às suas escolhas. Sempre que razoável, é o entendimento do administrador que deve prevalecer.

A alegada supremacia técnica dos tribunais de contas em relação a certas administrações é outra explicação para a expansão do controle. É isso o que dizem algumas cortes de contas para justificar a revisibilidade daquelas decisões. Mas esse não é um motivo suficiente para desorganizar a demarcação de papeis estabelecida na Constituição. Os órgãos de controle devem contribuir para a capacitação das administrações, mas não podem tomar as decisões por elas. O célebre caso Chevron da Suprema Corte norte-americana, que trouxe balizamentos ao controle judicial de decisões regulatórias, deve sempre ser lembrado em contextos de ativismo. Segundo o precedente, havendo dúvida acerca da compatibilidade do conteúdo da regulação ao direito, e desde que a interpretação do regulador não seja manifestamente desarrazoada, o juiz lhe deve deferência.

No Brasil, precisamos de mais Chevron e menos ativismo. Afinal, essa foi a escolha da Constituição. A construção de um ambiente de previsibilidade jurídica e estabilidade regulatória depende do respeito à esfera de competência das agências e dos administradores públicos. Aos controladores, reserva-se o papel de evitar e punir os ilícitos, mas apenas quando houver flagrante violação à legislação e ao direito. Na dúvida, é a vontade do regulador e do administrador público que deve prevalecer. O que se espera do controlador nestes casos é uma prudente autocontenção. Do contrário, gradativamente passaremos a ter um governo de juízes e conselheiros de contas, ainda que seus erros continuem a ser pagos nas urnas pelo administrador.

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