Sucesso do leilão da Cedae revela apetite do mercado por investimentos em saneamento

Licitação, que arrecadou R$ 22,7 bilhões, mostra como empresas estaduais e concessionárias privadas podem coexistir no setor de saneamento, cumprindo cada qual escopos relevantes para o funcionamento do sistema

  • Por Fernando Vernalha*
  • 16/05/2021 08h00
Tomaz Silva/Agência Brasil Fachada do edifício-sede da Cedae. Cedae escrito em azul claro e edifício branco Apesar de um dos blocos não ter recebido lance, a licitação resultou num ágio de 114% em relação à expectativa inicial

Foi a leilão no final de abril o maior projeto da infraestrutura brasileira na atualidade: a concessão do saneamento do Estado do Rio de Janeiro. Batizado de “o leilão da concessão da Cedae”, o projeto de desestatização do saneamento no Estado abrangeu quatro grandes concessões para o serviço de distribuição de água e esgotamento sanitário, com o potencial de trazer investimentos da ordem de R$ 30 bilhões para universalização do saneamento na região. Apesar de um dos blocos não ter recebido lance, a licitação foi considerada um sucesso, resultando num ágio de 114% em relação à expectativa inicial. Foram arrecadados R$ 22,7 bilhões pelo Estado do Rio de Janeiro, região metropolitana e municípios envolvidos.

Um dos principais desafios deste projeto esteve na pluralidade de atores institucionais envolvidos na prestação regionalizada do saneamento. O Estado do Rio, que lidera e foi o responsável pela estruturação e delegação dos serviços, figura como representante dos municípios e da região metropolitana, considerados também os titulares do serviço. Para viabilizar esse arranjo, foi necessário estruturar um arcabouço contratual robusto capaz de disciplinar adequadamente todas as relações interfederativas que estão por trás das concessões, que serão celebradas com operadores privados. Embora os contratos de concessão sejam assinados apenas pelo Estado, a participação dos demais titulares na execução das concessões está assegurada através dos “conselhos de titulares”, que têm a faculdade de monitorar a prestação do serviço dentro das respectivas áreas concedidas.

Esse arranjo jurídico-institucional, que põe o Estado como o principal ator para a organização, estruturação e delegação da prestação do serviço, cumpre um importante papel para viabilizar a regionalização da operação. É difícil imaginar que se possa avançar com a regionalização do serviço sem a participação e a liderança dos Estados. E, sem a regionalização, muito provavelmente não haverá universalização. Outro aspecto interessante da modelagem proposta é que a Cedae, companhia controlada pelo Rio e atual operadora do serviço na região, seguirá sendo uma peça importante do sistema. Ela se ocupará da captação, tratamento, adução e fornecimento da água às concessionárias privadas, o que lhe garantirá uma receita suficiente para permanecer ativa no setor de saneamento. Indicadores de qualidade da água serão cobrados tanto da Cedae quanto das concessionárias distribuidoras. Estas ainda terão de observar metas de universalização, de qualidade e de eficiência bastante exigentes para a prestação do serviço.

Trata-se, enfim, de um projeto complexo e desafiador, pelo seu porte, pelas características da região e, sobretudo, pela multiplicidade de atores envolvidos. Mas o sucesso do leilão revelou que, quando bem estruturados, projetos desta envergadura têm o interesse do mercado. Além disso, ele nos mostra como empresas estaduais e concessionárias privadas podem coexistir no setor de saneamento, cumprindo cada qual escopos relevantes para o funcionamento do sistema. Lembre-se que algo como 70% da operação do saneamento está nas mãos das companhias estaduais. Não é factível, por isso, imaginar que com uma “virada de chave” o saneamento será “privatizado” da noite para o dia. As companhias que se mostrarem eficientes seguirão sendo relevantes para a prestação destes serviços e para o avanço da agenda de universalização. Assim como o serão os investidores e operadores privados. A universalização, nosso grande desafio, será inevitavelmente um esforço de todos. E projetos como o da Cedae são um exemplo disso.

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*Esclareço ao leitor que integrei o grupo de consultores contratados pelo BNDES para a estruturação do projeto da prestação regionalizada do Estado do Rio de Janeiro (concessão da Cedae).

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