Correr, jogar bola, andar a pé ou de bicicleta: Posso brincar lá fora?
Provavelmente, a resposta do adulto às crianças será não. E, motivos, não faltam
O brincar não obedece a limites administrativos. Não se espera que crianças reconheçam situações de perigo com a maturidade de um adulto. Correr, jogar bola, andar a pé ou de bicicleta vem acompanhadas de toda a sorte de travessuras e traquinagens inimagináveis para aquele que, crescidinho, já nem lembra mais o que envolve o universo maravilhoso do brincar. Pois são estas mesmas pessoas que, adultas, constroem sistematicamente, cidades que excluem crianças de seus programas urbanos. Sabe como? Brincar de forma descompromissada, alheia às atividades educativas que ocorrem nos espaços de aprendizagem formal, desenvolve a comunicação, a imaginação, as habilidades físicas, sociais e emocionais exercendo um papel fundamental na formação infantil graças à interação que ocorre durante os momentos de lazer. Tem que brincar, para poder crescer bem. Mas, onde?
Na coluna anterior, descrevi as brincadeiras infantis entre os anos 1930 e 1950 no bairro do Ipiranga e que ocorriam nas parcas calçadas, nas ruas de terra e no caminhar para a escola, para o parque da Independência ou para a casa de algum amigo a pé e sem o envolvimento de um adulto. Criança andava a pé para ir brincar perto de casa. Hoje, nas grandes cidades, é impossível. Basta observar a velocidade dos automóveis, a sinalização precária, a largura medíocre das calçadas e a distância da pracinha mais próxima de casa.
Vai ter parquinho sim!
Com esta frase, crianças do Jardim Colombo (subprefeitura Butantã, em São Paulo) vêm reivindicando lugares para brincar seguros e próximos às suas moradias. Inserido em uma região de alto poder aquisitivo, o conjunto de habitações que ilustram a coluna sofre com a falta de lugares para brincar. Embora o bairro do Butantã concentre 560 áreas livres que perfazem cerca de 1.287.787 m² (dados obtidos a partir do Portal da Transparência), as áreas em questão são compostas por canteiros centrais e laterais do sistema viário (27), viveiro (1), ilhas (20), praças (228), áreas verdes (25), bicos (156), áreas livres (97), entre outros espaços públicos citados no levantamento. Não entendi a diferença entre áreas livres e áreas verdes. Apenas entendo que não sejam praças equipadas com mobiliário que atenda as expectativas infantis. Gostaria de estar errada.
No Jardim Colombo, a reivindicação é especialmente justa e necessária: a área é pobre e está localizada em uma região cuja população depende da infraestrutura pública, saúde, educação, segurança e recreação. No local, não tem nenhuma pracinha perto para que as crianças possam brincar. A imagem da foto mostra uma antiga área que servia de depósito de resíduos de toda a sorte e que, com a limpeza da comunidade, mostrou-se adequada para a instalação de um parquinho. Por tratar-se de uma ocupação à margem da regulação urbanística, o espaço, agora liberado, pode transformar-se em um parquinho. Cadê a prefeitura que não instala um lugar para a criançada brincar? Uma simples busca nas plataformas Google Earth ou GeoSampa comprova a escassez de espaços livres qualificados na região e no seu entorno. Os lugares mais próximos ficam a centenas de metros dali e, para chegar neles, é preciso atravessar avenidas e ruas com velocidades altas e mal sinalizadas. Mesmo que fossem próximos, dá para usar ilhas, bicos e canteiros centrais para recreação infantil? Obviamente não. Aliás, sequer as calçadas. Números não demonstram nem eficiência na gestão da coisa pública e sequer eficácia na melhoria da qualidade de vida das crianças. Canteiro central de avenida e ilhas foram feitas para automóveis e não para crianças.
O que vem oferecendo, a despeito do esforços, a prefeitura de São Paulo?
Rotatórias, ilhas, bicos de esquinas e canteiros centrais em profusão. Para além das praças, uma boa parte dos espaços livres destinados ao público encontram-se nesta situação para as 32 subprefeituras da capital paulista. A descrição dos tipos espaciais apresentados no texto, mostra que, à exemplo de inúmeras cidades brasileiras, as áreas provenientes do sistema viário e do desmembramento de glebas foram naturalmente incorporadas ao sistema de espaços livres como locais passíveis de ocupação para fins de recreação e lazer de adultos e crianças. Para um cidadão leigo, esta informação pode levar a equívocos de interpretação dando a impressão de que a cidade é repleta de espaços livres para fruição pública, mas, na verdade, parte deles é composto por rotatórias e canteiros de avenidas, áreas inadequadas à socialização infanto-juvenil. Não haveria problema na incorporação destes espaços e seu entorno como áreas livres caso fossem projetados para acolher a socialização entre crianças de maneira segura mesmo tendo sua origem alheia ao convívio social.
Para sair de casa ou da escola sozinha ou acompanhada por outra criança, a largura das calçadas, velocidades de automóveis, tempos semafóricos, iluminação, estacionamento de veículos, sinalização horizontal e vertical, estudo dos fluxos de pedestres devem necessariamente acompanhar o projeto das praças e demais áreas livres. Ou seja: não basta o plantio realizado por biólogos, botânicos, engenheiros florestais e tantos outros técnicos que compõem as equipes disponíveis para a zeladoria urbana em praças e demais espaços livres. A segurança e a garantia de uma socialização segura dependem de um projeto urbano qualificado associado à arquitetura paisagística destinado à área livre. O programa de atividades depende diretamente da vontade da comunidade do entorno que dele fará uso. Se vai ter banco, tabuleiro de xadrez, balanço, árvores, laguinho ou caminhos ajardinados, tudo irá depender da solicitação daqueles que pretendem utilizar e cuidar do local. A interação com órgãos públicos locais funciona como forma de cocriação do que todos querem ver construído no lugar, garantindo, pelo projeto de arquitetura paisagística, o uso.
Estudos e pesquisas acadêmicas comprovam os benefícios de espaços públicos qualificados, protegidos, sombreados, verdes, seguros, limpos e iluminados existem aos montes e apresentam resultados que mensuram quantitativamente e qualitativamente os impactos benéficos à saúde e ao bem-estar da população, especialmente para os pequenos e pessoas vulneráveis.
O que querem as crianças?
Tem de tudo um pouco: sol, grama, árvores, flores, brinquedos, quadra, laguinho, pássaros, cisnes ou patinhos, abelhas (!!!). Balanços presos em tronco de árvores frondosas e um céu para poder olhar. Estão pedindo muito? Certamente não. Se os senhores subprefeitos, prefeitos e demais secretarias envolvidas no assunto não sabem o que querem e precisam as crianças, deixo aqui a sugestão expressa pelos dois desenhos acima, lembrando que a infância passa rápido, em um piscar de olhos. Não demorem, por favor, e escutem o que precisam nossas crianças. Tem alguma dúvida ou quer sugerir um tema? Escreva para mim no Twitter ou Instagram: @helenadegreas.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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