Sente-se e fique à vontade: com um bom lugar de descanso, a cidade se torna mais acolhedora

Quando os ambientes para a convivência são projetados com a intenção de promover encontros, um conjunto de interações acontecem e beneficiam a vida social urbana

  • Por Helena Degreas
  • 25/01/2022 10h00 - Atualizado em 25/01/2022 10h20
Arquivo Pessoal/Helena Degreas/Jovem Pan Duas jovens sentadas em um banco na rua Oscar Freire durante o dia Em 2006, Prefeitura de São Paulo instalou bancos na Oscar Freire após iniciativa de lojistas da região

Sentar-se à sombra por alguns instantes. Descansar um pouco. Observar o movimento. Aguardar por alguém. Um tempo para colocar os pensamentos em ordem. Respirar. Revigorar-se. Um banco para me sentar lembra afeto, acolhimento, sensação de bem-estar. O espaço público é meu lar, lugar onde a vida social e pública acontecem. Se é nas calçadas que ocorrem os maiores deslocamentos a pé, é natural que estes locais recebam o mobiliário adequado para que as pessoas possam sentar-se. Com amigos e parentes que nos visitam, o convite para sentar-se e ficar à vontade sinaliza os bons momentos que virão com a companhia.

Presenciei, em minhas pesquisas Brasil afora, pessoas improvisando assentos das formas mais inusitadas. Para além das tradicionais muretas, guias e sarjetas, encontrei pessoas apoiadas em esculturas e chafarizes, túmulos, marquises, postes dos mais variados, grades, hidrantes e marcos, lixeiras, troncos de árvores, jardineiras, automóveis, janelas, vitrines e escadarias de igrejas, residências, comércios e escolas. Na cidade de São Paulo, destaco sempre, a escadaria do Edifício Gazeta, projetado pelo arquiteto José Carlos de Figueiredo Ferraz na década de 1960, pertencente à Fundação Cásper Líbero. A imensa escadaria que se destaca na entrada do edifício pode até assustar pessoas que, como eu, não são afeitas às práticas físicas intensas, mas comporta-se como uma anfiteatro em que estudantes, em uma época de aula no período anterior à pandemia, disputavam cada centímetro do local para observar o movimento da Avenida Paulista. Vez e outra, um cantor, banda e demais artistas improvisavam cantorias e apresentações durante os horários de intervalos e, em especial, aos finais de semana. Escada que, convertida em assento, virou uma simpática praça pública. Se o arquiteto estivesse vivo, imagino que estaria feliz, apreciando os encontros, conversas, encontros e namoros que sua obra possibilitou. 

Um lugar para sentar é bem mais que a colocação aleatória e desajeitada que prefeituras têm por hábito realizar. Quando os ambientes para a convivência são planejados e projetados com a intenção de promover encontros, um conjunto de interações, muitas vezes imprevistas, acontecem e beneficiam a vida social urbana. Intervenções que objetivam melhorar a qualidade de vida urbana e criar ambientes acolhedores acontecem há décadas e em várias cidades do mundo cujos prefeitos, vereadores, secretários e demais políticos que nos representam respeitam seus cidadãos e por eles são cobrados. Zurique, Estocolmo, Paris, Luxemburgo, Nova York, Copenhagen, Oslo, Turim e Atenas são alguns dos exemplos que mudaram o conceito do planejamento urbano dedicado a resolver problemas do tráfego de veículos particulares para a construção de cidades acolhedoras com ambientes qualificados para a vida social. Lugar para sentar-se e “encostar” encontram-se por toda parte. Cidadãos e turistas sentem-se bem-vindos. Intervenções hostis por parte de lojistas podem até ocorrer, mas não são aceitas pelas prefeituras que reprimem com rigor o infrator.

Em Barcelona, o Programa Supermanzanas 2016-2019 é considerado um modelo para a transformação de ruas e bairros ao resgatar, para os cidadãos, trechos de rua anteriormente ocupados por veículos particulares. Composto por conjuntos de nove quadras, cada setor prioriza a circulação de pedestres e bicicletas restringindo a circulação de veículos a velocidade de 10 km/h, permitindo apenas o atendimento das necessidades de lojistas e moradores. A substituição do asfalto e das antigas calçadas estendeu o passeio público de um lado a outro dos edifícios, expondo ao mundo que os automóveis têm papel secundário na vida pública. As ruas são consideradas parte integrante da infraestrutura ambiental da cidade, responsáveis pela captação das águas de chuvas por meio da infiltração e retenção. Paralelamente, o plantio de árvores ao longo dos caminhos minimiza o calor intenso dos verões, colaborando com a organização de eixos verdes que atravessam uma cidade compacta e densamente construída. A implantação do mobiliário urbano, incluindo-se nele chafarizes, iluminação, locais para jogos, mesas, bancos e assentos, são projetados para cada ambiente, atendendo ao tipo de uso de cada rua. Até mesmo os sons, barulhos e ruídos locais foram reduzidos para a tranquilidade dos moradores.

A foto que ilustra a coluna foi iniciativa da Associação de Lojistas da Rua Oscar Freire em parceria com a Prefeitura Municipal de São Paulo, em 2006, quando, aqui no Brasil, a discussão de cidades sustentáveis e acolhedoras era restrita às universidades, organizações não governamentais e alguns poucos setores técnicos das prefeituras. Reduzir a área para estacionamento e circulação de veículos gerou polêmicas em vários grupos da sociedade civil que não se conformavam com a priorização dada aos pedestres. Acompanhei de perto o esforço da associação para obter o apoio dos prefeitos da época. O projeto de arquitetura assinado pelo escritório Hector Vigliecca & Associados levou um longo tempo para ser concluído pois demandava o esforço e vontade da administração municipal para coordenar as obras, reunir o apoio, projeto e ações de departamentos públicos, permissionárias e concessionárias. 

A sociabilidade das relações que ocorrem entre os cidadãos nos espaços públicos não deveria ser objeto de mediação de empresas e, sim, responsabilidade de prefeituras. Parcerias público-privadas e incentivos à criação de ambientes temporários de permanência da população como parklets poderiam prestar um bom serviço às cidades, como exceção, e não como resposta à omissão das prefeituras em prover melhorias e ampliação de calçadas, além de ambientes de estar da população. A vida pública não cabe numa xícara de café com pão de queijo. As áreas nobres da cidade transformaram-se numa espécie de drive thru gastronômico que ocorre ao longo das calçadas. No lugar dos carros estacionados, tem-se agora os parklets de alimentação. Qualquer um pode ficar, de acordo com as regras de uso, mas os locais com mesas e cadeiras reduzem a interação ao consumo. A distribuição deste mobiliário efêmero não chega às regiões mais pobres e vulneráveis na mesma proporção. Bairros periféricos não são objeto de interesse de empresas e, em muitos casos, nem sequer das prefeituras. 

Na coluna passada comentei sobre as técnicas de construção hostil praticadas por atores públicos e grupos sociais que evitam a coexistência e a convivências com grupos que não comungam cos mesmos valores e comportamentos. Quando capitaneadas por prefeitos que, de alguma forma, sentem empatia e afeto por seus cidadãos, políticas e programas alinhados às discussões das agendas urbanas internacionais permeiam suas ações, sendo capazes de transformar todo o território urbano, das áreas centrais às distantes periferias, em cidades acolhedoras, com ambientes e locais projetados para todos as comunidades. Como fizeram os prefeitos das cidades que citei, ouvir mais a população e as orientações dos técnicos e menos os políticos de ocasião, pode ser a solução para a transformação dos locais de deslocamento em passeios públicos e ambientes acolhedores para os pedestres.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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