Movimento maker está chegando e promete grande revolução nas escolas

Aluno é estimulado a trabalhar atividades de forma colaborativa, desenvolvendo projetos em equipe; embora possa parecer, na maioria das situações não são necessários grandes investimentos

  • Por Renato Casagrande
  • 06/08/2021 10h00
Unsplash/Kevin Jarrett Criança brincando com vários pedaços de um objeto tecnológico espalhados pelo chão A grande virada de chave no movimento maker é que, em vez de os alunos estudarem sobre invenções, eles passam a ser os inventores

Com a implantação da educação híbrida, muitas mudanças estão ocorrendo nas escolas e na rotina dos alunos e professores. Há uma forte tendência que passemos a ter a cultura maker também em nossas instituições educacionais, tanto de educação básica quanto superior. E o que é cultura maker? Que contribuições essa nova cultura e esse movimento podem trazer para a educação? Maker é uma expressão inglesa que significa fazedor, realizador, criador. O movimento maker teve sua origem no início dos projetos Do It Yourself, conhecidos simplesmente como DIY ou “faça você mesmo”, em português, que traduz a ideia de que a própria pessoa consegue fazer pequenos consertos e resolver problemas domésticos. O termo acabou sendo popularizado a partir da década de 50, mas só foi fortalecido com as tecnologias digitais a partir dos anos 2000.

O movimento DIY foi o precursor do movimento ​maker, criado a partir de 2007 com a filosofia de incorporar completamente as tecnologias digitais ao movimento de fabricação e execução de projetos, pessoais ou comerciais. Segundo o autor do livro “Makers: a Nova Revolução Industrial”, Chris Anderson, o maker está fortemente associado ao Vale do Silício, com o lançamento da revista Make Magazine, considerada referência do movimento, e a realização do evento Maker Faire. Para ele, os ​makers ​têm em comum o uso de ferramentas digitais para criar produtos e o compartilhamento de informações e colaboração em comunidades online. Um dos principais exemplos do movimento maker no Brasil é a Campus Party. Esta é considerada a maior experiência tecnológica do mundo, pois consegue reunir milhares de jovens em torno de um grande festival de inovação, criatividade e empreendedorismo. O objetivo da Campus Party é promover a cultura maker e apresentar às pessoas em geral o que significa colocar a mão na massa. Entre as atividades desenvolvidas, temos os workshops sobre cultura maker, espaço livre para prototipação e oficinas com equipamentos eletrônicos.

Um dos pontos altos são os hackathons, maratonas que reúnem pessoas com o objetivo de desenvolverem juntas soluções para algum problema de forma colaborativa ou por meio da competição, baseadas em algum tema ou desafio proposto. Os hackathons são considerados uma abordagem emergente na pedagogia, pois desenvolvem a aprendizagem significativa trabalhando conceitos e habilidades na prática por meio de desafios contextualizados.
O movimento maker, ou também chamado “mão na massa”, é uma das grandes tendências na educação e está começando a ser adotado por algumas instituições educacionais e professores. No movimento maker, o aluno é estimulado a trabalhar atividades de forma colaborativa, desenvolvendo projetos em equipe. Trata-se de uma excelente metodologia de aprendizagem híbrida, pois os alunos podem trabalhar offline e online, na escola e também em outros ambientes fora dela. Esse movimento tem começado a criar o que é chamado de cultura maker na escola, que tem como eixo central a capacidade de o aluno desenvolver sua aprendizagem com autonomia, já que ele entra em contato direto, de forma lúdica e interativa, com o objeto de estudo, favorecendo a sua independência e respeitando o seu ritmo de aprendizagem. Ele também se torna mais participativo e interessado, além de contribuir para a aquisição de um conhecimento mais solidificado.

A grande virada de chave no movimento maker, quando comparado a métodos tradicionais de ensino, é que em vez de os alunos estudarem sobre invenções, eles passam a ser os inventores, e vão utilizar e pesquisar informações e suas inter-relações com diferentes disciplinas para desenvolver essas invenções. Por exemplo, enquanto no ensino tradicional as crianças e adolescentes aprendem sobre matemática, no movimento maker os alunos constroem conhecimentos matemáticos, pensando em determinadas situações como matemáticos. À medida que os alunos vão confeccionando objetos e produtos, os professores vão trabalhando com os conteúdos relacionados ao que está sendo produzido. As disciplinas de língua portuguesa, matemática, ciências, história, geografia e outras vão se conectando e são trabalhadas de forma interdisciplinar em todas as atividades.

Os alunos podem produzir roupas, alimentos, cosméticos, produtos de higiene e limpeza, medicina caseira, instrumentos musicais, entre outros. As atividades podem ser desenvolvidas com ajuda de softwares, vídeos explicativos, textos dirigidos e outros recursos disponíveis. Todas as atividades devem e precisam ser desenvolvidas com o apoio, a mediação e a liderança dos professores. Na prática pedagógica maker há a necessidade de uma flexibilização curricular. Os professores precisam agir como curadores para selecionar os conteúdos que precisam ser aprendidos pelos alunos. Se for muito extensa essa relação de conteúdos, os resultados dos trabalhos desenvolvidos podem ser comprometidos. Então, é fundamental trabalhar inicialmente com conteúdos essenciais e, na medida em que os trabalhos vão sendo desenvolvidos, os próprios alunos vão pesquisando e aprofundando outros conteúdos que serão necessários para a criação que está sendo proposta.

A educação maker está intrinsecamente vinculada à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que está em fase de implantação no Brasil, pois trabalha de forma integrada e simultânea aspectos cognitivos, socioemocionais, interdisciplinares, multidisciplinares e transdisciplinares, favorece elementos como criatividade, autonomia, curiosidade, interesse, responsabilidade, reflexão e empatia. Os alunos aprendem, na prática, a respeitar, conviver e se relacionar com os diferentes, além de lidar melhor com suas próprias emoções. Passam a conhecer suas potencialidades, suas fraquezas e aprendem a lidar bem com elas. Aspectos como liderança, companheirismo, trabalho em equipe, cooperação, colaboração, empatia, são pontos fortes e observados e evidenciados no movimento maker. Na aprendizagem prática ocorre a valorização da experiência do aluno, possibilitando um aprendizado a partir dos seus acertos e, principalmente, dos seus erros, já que errar é uma consequência natural da realização de tarefas baseadas na cultura maker. O entusiasmo do aluno é um dos principais combustíveis para levá-lo à aceitação do erro e pelo despertar do interesse na compreensão de temas mais complexos e que exigem um nível maior de aprofundamento.

Jean Piaget (1896-1980) afirmava que o aluno se engaja conscientemente na criação de um objeto público e compartilhável. Quando ele assume protagonismo na construção do conhecimento, interagindo com o objeto e o meio, o seu interesse, entusiasmo e motivação para novas descobertas são exponenciais quando comparados às atividades tradicionais de ensino de meros receptores de informação. A grande maioria das atividades maker são fundamentadas na abordagem Construtivista de Piaget, valorizando o envolvimento do aluno em projetos em que ele assume protagonismo. Embora possa parecer, na maioria das situações não são necessários grandes investimentos. Já temos escolas públicas com recursos escassos que têm conseguido implantar a cultura, principalmente trabalhando com materiais recicláveis. O importante é que o material seja adequado e esteja de acordo com a idade dos alunos e em conformidade com as habilidades a serem desenvolvidas durante as atividades. Os alunos mais novos utilizam matérias primas como cola, papelão, plásticos, potes, tesouras sem ponta, isopor, além dos dispositivos eletrônicos disponíveis e adaptados à sua faixa etária. Já os alunos com idade mais elevada podem usar madeira, ferramentas diversas, fios, vidros, estilete, parafusos, pregos, martelos, cola quente, entre outros.

À medida que a cultura maker vai tomando corpo na escola, há movimentos no sentido de montagem de laboratórios, inclusive com a participação da comunidade escolar. Hoje, com a redução do custo de ferramentas e equipamentos de fabricação digital e de tecnologias de computação, esse “sonho” pode se tornar realidade em qualquer escola pública. Não é simples, não é fácil, mas é possível. Para a cultura maker ser implantada nas escolas é preciso um alinhamento no projeto pedagógico, incluindo os princípios da filosofia maker. Os coordenadores e professores precisam elaborar um planejamento das atividades ou projetos que serão desenvolvidos com os recursos do movimento. Precisam identificar a infraestrutura e as metodologias necessárias à implementação de atividades práticas, podendo e devendo substituir parte das aulas teóricas pelo desenvolvimento de projetos e de atividades práticas.

Por fim, vale destacar que no movimento maker o papel do professor também muda. Passa a ser de curador, de facilitador, orientador e até, algumas vezes, de mentor. É ele quem faz as conexões entre os conhecimentos científicos e os conhecimentos práticos dos alunos. Em algumas situações o professor também coloca a “mão na massa” e participa ativamente dos projetos que estão sendo construídos pelos alunos. Essa é uma das novas realidades da escola. É a escola mudando, se transformando e se aproximando mais da sociedade e do interesse dos alunos. É um novo momento, que acreditamos ser fundamental para que a escola volte a ser uma instituição transformadora e que ocupe o seu real papel, que é o de transformação de pessoas, celeiro de talentos e formação de cidadãos.

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