Congresso ameaça os avanços na digitalização do governo

Cadastros e assinaturas digitais deixam serviços públicos acessíveis e propiciam economia de R$ 500 milhões aos cofres públicos, mas lei aprovada no Legislativo é mais restritiva

  • Por Samy Dana
  • 30/03/2021 15h18
Firmbee.com/Unsplash Mulher, cuja cara não aparece na imagem, usa o celular e o computador

Na falta de grandes privatizações ou de reformas, como a administrativa, o Ministério da Economia pelo menos tem avançado na digitalização do governo. Desde o começo de 2019, mais de 800 serviços públicos, que antes dependiam de carimbo e papel, podem ser feitos pela internet. Um exemplo é o auxílio emergencial, criado a partir de um cadastro digital e que depois pode ser acompanhado por um aplicativo. Não se trata apenas de tornar os serviços públicos mais acessíveis. Segundo os cálculos do governo, a digitalização já permitiu a economia de R$ 500 milhões em custos para oferecer serviços. Já a sociedade deixou de gastar R$ 1,5 bilhão para usá-los. Mas um retrocesso ronda a iniciativa. Nesta semana, o Congresso deve analisar os vetos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) à lei que simplificou a assinatura digital. E uma discussão em especial pode prejudicar o esforço até agora.

A forma atual da lei incentiva a digitalização. Foram criadas duas assinaturas digitais para que os cidadãos e cidadãs possam acessar serviços públicos de acordo com a necessidade de segurança dos dados envolvidos. Uma assinatura simples, aceita em metade dos serviços públicos, como marcação de perícias e de consultas médicas. E uma mais avançada, que pode ser usada, por exemplo, na abertura e fechamento de empresas. A lei também mantém a necessidade de uma assinatura qualificada, obtida com a compra de um certificado digital para emissão de nota fiscal eletrônica e transferência e registro de imóveis, entre outros serviços que envolvem sigilo fiscal ou legal. Um sistema que amplia o acesso aos serviços públicos sem risco para a segurança de dados.

A versão da lei aprovada pelo Congresso, no entanto, é muito mais restritiva. Os parlamentares criaram a obrigatoriedade do certificado para qualquer sigilo “fiscal, constitucional ou legal”. É um retrocesso. Não daria mais, por exemplo, para fazer a entrega eletrônica do Imposto de Renda sem um certificado que custa de R$ 150 a R$ 300. Hoje, existem cerca de 10 milhões de certificados no país. Aproximadamente 5% da população possui um. Em vez de ampliar o acesso aos serviços digitais aos 95% restantes, sem custos e com segurança, como ocorre na Europa (inspiração para o projeto original), o Congresso passou uma lei que faz o contrário. Sem poder pagar pelo acesso, a maioria da população simplesmente continuaria a lidar com a burocracia. Por recomendação do Ministério da Economia, o trecho foi vetado. Mas se o veto for derrubado, pode passar a valer. Seria trágico. A versão que saiu do Congresso cria um modelo que inclui em vez de excluir a maioria da população. E ainda cria gastos desnecessários.

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