Trindade: Ministros do STF se consideram mensageiros de Deus

Anular as condenações do ex-presidente Lula é uma agressão violenta à realidade e não hermenêutica; membros do Supremo só tomariam uma decisão assim porque se sentem os deuses do Olimpo

  • Por José Maria Trindade
  • 08/08/2020 07h00
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Rosinei Coutinho / SCO / STF O ministro da Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes Dizem que metade dos ministros acreditam que são deuses e a outra metade tem certeza disso

Como Hermes, ministros do Supremo acreditam que falam com Deus e têm a missão de explicar aos mortais no que devemos acreditar. Anular as condenações do ex-presidente Lula é uma agressão violenta à realidade e não hermenêutica. Lulistas e petistas se animam com a notícia falsa de candidatura do ex-presidente. É outro projeto enganoso sendo colocado na prateleira. A origem desta enganação está no Supremo, mais exatamente na segunda turma. Por lá, os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski decidiram excluir a famosa e devastadora delação do ex-ministro Antônio Palocci do processo de compra do terreno para o Instituto Lula com dinheiro de corrupção.

É mais uma condenação considerada certa pelo número de provas documentais e os dados de outras delações, além das revelações de Palocci. O mais grave é que nas falas, Mendes e Lewandowski revelaram que estão propensos a votarem pela anulação das condenações de Lula. O pedido é para que o ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro seja condenado. Um parcial, segundo os ministros. Considerar o juiz tendencioso poderia significar a extinção das duas condenações de Lula, e pela Lei da Ficha Limpa, ele estaria elegível. Seria um constrangimento geral para os brasileiros. Para o Supremo Tribunal Federal, um furacão. A mais alta corte se jogaria num grau de desmoralização com resultados imprevisíveis. Não há clima para uma decisão tão errada por praticamente nada. Até os partidos de esquerda já estão se afastando do PT.

Hermes é um deus da mitologia grega, filho de Zeus e da ninfa Maia, que tinha a função de transmitir mensagens aos mortais. Detinha a habilidade dos pesos e medidas e explicava o que as cabeças dos humanos não conseguiam entender. Daí a origem da hermenêutica tanto na ética como no mundo jurídico. Seriam estes 11 ministros do Supremo os novos interlocutores de Deus na Terra? Dizem por aqui que metade dos ministros acreditam que são deuses e a outra metade tem certeza disso. Só um pensamento assim pode justificar que sentenças sejam assinadas com tamanho distanciamento da realidade e devida observação dos pesos e medidas. As duas condenações do ex-presidente são baseadas em provas contundentes e julgamento legítimo. O ex-presidente participou dos processos e aceitou os julgamentos ao nomear advogados e recorrer para posterior condenação também no Tribunal Regional Federal de Porto Alegre, ou seja, um processo jurídico normal e aceito.

Politicamente, este posicionamento negacionista constrange antigos aliados. Manter de novo uma candidatura fictícia desorganiza a esquerda e faz mais uma vez os partidos reagirem contra esta raiz centralizadora do PT. O partido se isola cada vez mais e demonstra não ter nenhum apego à democracia. A própria delação de um íntimo do PT, Antônio Palocci, mostra que a campanha da ex-presidente Dilma à reeleição torrou mais de R$ 1 bilhão de reais. É uma abertura das entranhas da campanha e uma demonstração de fraude grave ao sistema. Tanto dinheiro derramado sem critérios legais desvirtua o objetivo das eleições e agride a democracia. É pedir demais para que pessoas assim pensem no coletivo, então que sejam punidos com base na legislação.

Improvável que o Supremo anule as condenações do ex-presidente Lula. O que fica mesmo de concreto no episódio é que só a desconfiança desta possibilidade já demonstra o grau de descrédito que os ministros levaram ao Supremo. Sei que muitos dirão que é inocência pensar que os ministros que falam com Deus não tomarão uma decisão assim. Acredito que não, pela força que impulsiona a existência da humanidade, o incrível instinto de sobrevivência. Tomar uma decisão assim é jogar contra a instituição e destruir a própria casa e suas togas. Não se iludam, vontade não falta para alguns ministros por ali, mas a projeção de futuro é que faz o recuo para a hermenêutica jurídica.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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