‘Passaporte da vacina’ já é exigido em diversas cidades do Brasil; veja onde e como obter o comprovante
Mecanismo aplicado em outros países está em discussão no Brasil e já começou a ser utilizado em alguns estabelecimentos de diversos municípios, incluindo as capitais São Paulo e Rio de Janeiro
A 34ª Bienal de São Paulo, a primeira desde o início da pandemia da Covid-19, abriu as portas ao público com extensa exposição de arte no pavilhão Ciccillo Matarazzo, no Parque Ibirapuera, no último dia 4. O site oficial do evento informa o requisito mínimo para acesso ao espaço: “Entrada gratuita mediante apresentação de comprovante de vacinação contra a Covid-19”. Assim como nesse caso, na cidade de São Paulo foi decretado no final de agosto que todos os eventos com 500 pessoas ou mais devem exigir o documento como condicionante, com o objetivo de garantir a segurança sanitária em espaços com aglomerações. O chamado ‘passaporte da vacina’ é uma ideia que começou a ser aplicada, inicialmente, em outros países, mas que já é discutida no Brasil e usada em mais de 200 municípios, incluindo a capital paulista e o Rio de Janeiro. O certificado de vacinação é um documento que comprova que um indivíduo está imune contra a Covid-19 com duas doses de uma vacina ou com dose única. Segundo um estudo divulgado pela Confederação Nacional de Municípios nesta sexta-feira, 1º, 213 cidades brasileiras já utilizam o passaporte a partir de decretos locais. Os dados foram coletados no período entre 27 e 30 de setembro.
O professor de inglês Thulio Américo, 29, conta que foi pego de surpresa quando pediram que apresentasse o passaporte da vacina para permitirem a entrada dele em um evento. Apesar de não estar com o documento em mãos, uma alternativa foi apresentada pelos organizadores para que pudesse ter acesso às atividades. “Eu teria que apresentar o ‘passaporte da vacina’ na entrada da Bienal, mas não sabia que precisaria. Pude mostrar uma foto do comprovante de vacinação, aquela selfie que todo mundo tirou e postou. Checaram o meu nome, que dava para ler, com minha identidade e me deixaram entrar. Achei maravilhoso, me senti bem mais seguro porque sabia que todos ali estavam vacinados. Fiquei querendo ter a mesma experiência em outros lugares, como restaurantes, onde todos tiram a máscara”, conta.
Já o pedagogo Emerson Ramalho, 28, não teve a mesma sorte. Recentemente ele foi barrado em uma balada sertaneja no município de Suzano, no Estado de São Paulo, por não ter a comprovação de imunidade contra a Covid-19. O estabelecimento também ofereceu a alternativa de mostrar uma foto do cartão de vacinação, mas como ele não tinha, não conseguiu entrar. “Fiquei um tanto surpreso porque nunca antes haviam me pedido o ‘passaporte da vacina’. Eu ainda não tomei as duas doses e não tinha ele em mãos quando foi solicitado. Achei que não seria necessário, não sabia que estavam pedindo esse documento para poder entrar nos lugares. Como não tive como comprovar nem a primeira dose, fui barrado.” Apesar da experiência ruim, o pedagogo defende a medida. “Me senti constrangido, porque me programei para sair, encontrar os amigos, me divertir, mas, ao mesmo tempo, eu me senti confortável porque percebi a segurança do ambiente”, opina.
Apesar dos possíveis problemas que possam surgir, especialistas afirmam que o ‘passaporte da vacina’ pode aumentar o nível de segurança dos ambientes na pandemia. É o que explica o chefe do departamento de Infectologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e consultor para Covid-19 da Sociedade Brasileira de Infectologia, Alexandre Naime. “Uma pessoa vacinada tem menos chances de ter uma Covid-19 grave e, quanto mais leve for o quadro, menor a carga viral. Ou seja, indivíduos vacinados têm a proteção para casos graves e óbitos e transmitem menos o vírus. Além disso, as pessoas vacinadas apresentam maior adesão às medidas de prevenção não farmacológicas. Com isso, o acesso a estabelecimentos mediante comprovante de vacinação aumenta a concentração de pessoas menos suscetíveis à transmissão do vírus no local”, afirma Naime.
Inicialmente, a ideia de um certificado para permitir o acesso das pessoas a eventos e estabelecimentos foi colocada em prática por países como Dinamarca e União Europeia (UE) há alguns meses. Por lá, o documento é pedido em praticamente todos os ambientes fechados, estações de trem e metrô, bares, restaurantes, academias, hotéis e museus. Diferentemente do que ocorre no Brasil, nas regiões de baixa letalidade e taxa de transmissão do novo coronavírus, a apresentação do certificado permite que as pessoas fiquem livres de medidas de segurança como o uso de máscaras. Além disso, a documentação é válida não apenas com a certificação de vacinação completa, mas também com testes negativos para a Covid-19, que devem ser refeitos regularmente, e comprovação de recuperação da infecção. É o caso do Certificado Digital Covid para a UE e do coronapass na Dinamarca.
Aqui no Brasil, o ‘passaporte da vacina’ também vem demonstrando efeito sobre a campanha de imunização. Na cidade do Rio de Janeiro, onde a prefeitura decretou no dia 18 de agosto que locais fechados, inicialmente da administração pública e em seguida também academias, cinemas, teatros, pontos turísticos e outros, exijam o comprovante, houve um aumento na procura da população pelo imunizante. De acordo com a gestão municipal, em um mês observou-se o aumento de 82% na busca pela primeira dose da vacina em comparação aos 30 dias anteriores; em relação à segunda dose, o incremento foi de 31% no mesmo período, com muitas pessoas que já estavam com o prazo de vacinação em atraso. Na última quarta-feira, 29, a Justiça do Rio suspendeu a obrigatoriedade do uso do passaporte na cidade, sob o argumento de que um “decreto não pode impedir as pessoas de circularem livremente pelas ruas da cidade se não estiverem vacinadas”. No entanto, o caso foi levado ao STF e o ministro Luiz Fux atendeu ao pedido da Prefeitura do Rio nesta quinta-feira, 30, restabelecendo a eficácia plena do decreto que institui o “passaporte de vacinação” na cidade.
Apesar das vantagens promovidas pelo passaporte da vacina, a estratégia ainda não é capaz de simular uma volta à normalidade no Brasil, como ocorre nos países europeus. Em ambientes em que todas as pessoas comprovem a imunidade contra a Covid-19 ainda permanece a necessidade dos cuidados não farmacológicos, o distanciamento, o uso de máscaras, a higiene das mãos. “A vacinação não impede que a pessoa se infecte. Ela atenua, minimiza a gravidade da doença. As chances serão menores, mas a transmissão continua possível, principalmente com a circulação da variante Delta. Nós não vamos ter uma volta à normalidade quando não tivermos 100% da população vacinada. O fim da pandemia, quando poderemos parar de usar máscaras, por exemplo, será quando a transmissão do novo coronavírus estiver muito baixa e, principalmente, quando a doença tiver um índice de letalidade muito pequeno”, aponta Alexandre Naime.
Onde e como obter o Passaporte da Vacina
Em todo o Brasil, as pessoas que foram imunizadas podem acessar e baixar o comprovante de vacinação, que poderá ser usado como ‘passaporte da vacina’, pela plataforma ConecteSUS Cidadão. A ferramenta pode ser acessada virtualmente por site ou aplicativo e pede um rápido cadastro com dados pessoais para identificação do usuário. A documentação emitida pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a partir de dados coletados no momento da vacinação, já possui um QR code que comprova a validade e confere veracidade, além de permitir a leitura digital pelos estabelecimentos que passarem a exigir o passaporte para permitir o acesso da população.
A recifense Katarina Vieira, 27, conta que sua mãe, Maria do Socorro, de 58 anos de idade, não consegue emitir o comprovante pela plataforma do SUS. “A minha mãe não lembra a senha dela para entrar no ConecteSUS e eu esqueci de anotar. Tentamos recuperar, mas não conseguimos de forma alguma. Já tentamos de tudo. Em todas as vezes, o aplicativo pede uns comprovantes de INSS ou pelo banco, mas não funciona. Acho muito estranho, porque eu tentei mudar a minha senha e funcionou sem problema algum. Consegui o meu comprovante de vacinação, o dela, não. O sistema tem muitos problemas. Vamos tentar ir numa unidade de saúde para tentar resolver”, conta.
Em nota, o Ministério da Saúde informou que o aplicativo ConecteSUS Cidadão está funcionando normalmente nas plataformas Android, iOS e na web. A pasta afirma que os postos de vacinação de Estados e municípios devem realizar o registro de dados da vacinação por meio do sistema de informações integrado à Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), para alimentar as informações do ConecteSUS. Em até 72 horas após o envio dos registros para a rede, as informações devem ficar disponíveis na plataforma. Ainda de acordo com o ministério, as pessoas que não conseguirem acessar corretamente o comprovante de vacinação até 10 dias após a data da imunização devem procurar o local de vacinação ou a secretaria estadual ou municipal de saúde para solicitar o registro e envio de seus dados corretos à rede.
Para quem foi vacinado na cidade de São Paulo, também é possível emitir o comprovante de vacina por meio da plataforma e-saúde SP, por aplicativo ou desktop. Para acessar, basta aceitar os termos de uso e preencher as informações solicitadas: Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), data de nascimento, nome completo, e-mail e telefone com DDD. O app pode ser baixado gratuitamente pela loja de compras do celular. Aqueles que se vacinaram em outras cidades do Estado de São Paulo podem ter acesso ao documento pela plataforma do PoupaTempo, também por site ou aplicativo. Outras cidades brasileiras também já utilizam seus próprios sistemas locais para emissão do comprovante de vacinação, como o caso do Recife.
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