“Mendigo do bom futebol”, Galeano levou a paixão pela bola à literatura

  • Por Agencia EFE
  • 13/04/2015 15h53

Concepción M. Moreno.

Redação Central, 13 abr (EFE).- Costuma considerar-se que o mundo da literatura está nas antípodas do universo esportivo, como se não houvesse grandes escritores que dedicassem suas letras a disciplinas como o futebol ou o atletismo, mas o uruguaio Eduardo Galeano, falecido nesta segunda-feira, foi sem dúvida uma exceção.

Procedente dessa escola sul-americana que tantos literatos interdisciplinares ofereceu ao mundo, este autor nascido em Montevidéu em 1940 e um dos criadores mais importantes da região, com obras de referência como “As veias abertas da América Latina”, abriu espaço em suas páginas para outra de suas paixões: o futebol.

O futebol “é algo tão importante que não se pode conversar apenas alguns minutos sobre ele, é preciso dedicar-lhe horas e horas”, afirmou à Agência Efe em uma ocasião em Madri perante o pedido de rápidas declarações nos momentos prévios a uma leitura pública de sua obra “Bocas do tempo” (2004).

O Uruguai disputava as eliminatórias para a Copa do Mundo de 2006 e sua opinião era suficientemente relevante para ser requisitada, mesmo em um evento literário.

Mas ele fez a jornalista saber que, além de estar contrariado por outro motivo, o fundamental para recusar essa conversa era que a relevância do futebol em sua vida era tamanha que não cabia em poucos minutos.

“Todos os uruguaios nascemos gritando gol e por isso há tanto barulho nas maternidades, há um estrondo tremendo. Eu quis ser jogador de futebol como todas as crianças uruguaias” é o começo de seu volume “Futebol ao Sol e à Sombra” (1995).

E essa importância era compartilhada com sua companheira, a argentina Helena Villagra, protagonista de tantas de suas letras, como confessou em 2009, por ocasião da entrega da Medalha de Ouro do Círculo de Belas Artes de Madri, quando contou que as portas de sua casa se fechavam sempre que havia alguma competição importante e cada um se dedicava a torcer por sua seleção.

Torcedor fanático do Nacional, um dos dois clubes mais importantes do futebol uruguaio, pelas páginas desse tratado literário do futebol, “Futebol ao Sol e à Sombra”, passaram personagens da envergadura de Pelé, Garrincha e Alfredo di Stéfano.

E a um nascimento bem especial, o de Diego Armando Maradona, dedicou seu conto “O parto”, incluído em “Bocas do tempo”. O “astro” futebolístico tem sua metáfora no texto, no qual Galeano explica que sua mãe, dona Tota, “encontrou uma estrela, em forma de prendedor”, no chão do hospital.

“Essa estrela de prata e de lata, acirrada em um punho, acompanhou dona Tota no parto. O recém-nascido foi chamado Diego Armando Maradona”, escreveu Galeano na conclusão do conto.

Como “mendigo do bom futebol”, como ele mesmo se definiu, o buscava nas chuteiras de todos os campeonatos do mundo e admirava o jogo acima de cores (exceção feitas, claro, ao Nacional e à seleção do Uruguai).

Em conversa com a Efe em 2012, chegou a louvar o jogo do Barcelona de Pep Guardiola e a criticar as más práticas de quem, naquele momento, era treinador do Real Madrid, José Mourinho.

Além disso, há pouco menos de um ano, declarava ao “Estado de S. Paulo” que Lionel Messi e Neymar eram “verdadeiros milagres” em um mundo cheio de interesses como o futebol profissional.

“Os esportistas atuam pelo prazer de jogar, o que é importante. Rogo a Deus para que os jogadores não percam esse prazer, pois, nos últimos anos, eles vêm sendo condicionados apenas para ganhar, o que resulta em mais dinheiro. Não aprovo essa identificação da bola como fonte de lucro”, comentava.

Seu conto “O estádio”, integrado em “Futebol ao Sol e à Sombra”, começa assim: “Você já entrou, alguma vez, num estádio vazio? Experimente. Pare no meio do campo, e escute. Não há nada menos vazio que um estádio vazio. Não há nada menos mudo que as arquibancadas sem ninguém. (…) O Estádio Centenário, de Montevideo, suspira de nostalgia pelas glórias do futebol uruguaio”.

Embora ele, que se dizia “o pior perna de pau”, estará feliz por reencontrar-se com seu ídolo Obdulio Varela, grande protagonista da vitória da seleção do Uruguai no Mundial de 50, o famoso “Maracanazo”, certamente as arquibancadas do Centenário suspiram hoje mais tristes que nunca. EFE

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