Rejeição à vacina contra Covid-19 aumenta no Brasil; especialistas atribuem alta à politização e falas de Bolsonaro

‘População deve entender que os cientistas não fazem os testes observando o partido A ou B’, afirma virologista

  • Por Carolina Fortes
  • 29/11/2020 08h00 - Atualizado em 29/11/2020 09h07
REUTERS/Dado Ruvic/Illustration/File Photo Mulher olhando frasco de vacina contra Covid No Brasil, a data de vacinação ainda é incerta, já que até o momento nenhum imunizante foi aprovado no País

Em meio a polêmicas sobre a vacinação contra a Covid-19 no Brasil, a pesquisa “Global Attitudes on a Covid-19 Vaccine”, realizada pela Ipsos, mostrou que o percentual de pessoas que se imunizariam contra o coronavírus no País diminuiu de 88% para 81% de agosto a outubro deste ano. O aumento da rejeição entre os brasileiros também foi observado em um levantamento feito pela XP/Ipespe. Segundo a pesquisa, o percentual de pessoas que afirmaram que “com certeza irão se vacinar” diminuiu de 70% para 66% do final de outubro para o início de novembro. Além do receio com o avanço muito rápido dos testes clínicos, especialistas alertam que a politização do tema, causada principalmente por declarações do presidente Jair Bolsonaro, pode ter influenciado no crescimento da rejeição. Além de ter defendido diversas vezes que a imunização não seja obrigatória no País, Bolsonaro afirmou, no último mês, que a vacina deve ser desenvolvida “sem pressa”. O presidente ainda travou um embate com o governador de São Paulo, João Doria, ao proferir opiniões contrárias à CoronaVac, produzida pela China e desenvolvida em parceria com o Instituto Butantan.

“Essas questões precisam ser levadas a sério e não estão. Isso nos entristece como cientistas porque joga por terra um trabalho que estamos fazendo. É um esforço diário em tempo recorde, nunca foi produzida uma vacina nesse tempo. Essa polarização política vem cada vez mais prejudicando o trabalho dos cientistas e profissionais de saúde”, afirmou à Jovem Pan o virologista Raphael Rangel, que representa o Conselho de Biomedicina e é coordenador do Instituto Brasileiro de Medicina e Reabilitação. Para ele, existe, ainda, uma rejeição maior da população à CoronaVac por causa da origem chinesa do coronavírus, cercada de teorias da conspiração, como a retórica que alega que o Sars-CoV-2 foi fabricado em laboratório. “A população deve entender que os cientistas não fazem os testes observando que a pessoa vai utilizar aquilo ali para o partido A ou partido B. A vacina desenvolvida pela Sinovac, se continuar mostrando eficiência, todos devem tomar, porque se ela chegou ali produz imunogenicidade e é segura para a população. E se foi desenvolvida em tempo recorde que bom, a tecnologia hoje nos permite isso”, defendeu o virologista.

Segundo o estudo da Ipsos, entre o percentual de brasileiros que não tomaria a vacina caso estivesse disponível, 48% justificaram que estão preocupados com o avanço muito rápido dos testes clínicos. Além disso, 27% citaram preocupação com os efeitos colaterais, 7% não se vacinariam pois não acreditam que a imunização seria eficaz, 7% alegam que o risco de contágio pela Covid-19 é baixo, 6% se declaram contra vacinações em geral e 3% mencionaram outras razões. No Brasil, a data de vacinação ainda é incerta, já que até o momento nenhum imunizante foi aprovado no País. Nesta sexta-feira, 27, a Anvisa recebeu o pedido de submissão contínua da vacina da Johnson & Johnson. Com isso, todos os laboratórios com pesquisa de imunizantes em andamento no Brasil já iniciaram o envio de dados para a agência. O diretor da área de pesquisas Healthcare da Ipsos, Fabrizio Maciel, disse à Jovem Pan que as declarações do presidente não foram citadas espontaneamente no levantamento, no entanto, afirmou que é provável que exista uma relação, já que Bolsonaro colocou, por diversas vezes, a eficácia das vacinas em dúvida. “Se primeiro for aprovada a do Butantan, pode haver uma politização maior do governo federal e estadual. Se for a da Pfizer, que tem uma dificuldade maior de logística pode gerar um outro tipo de discussão. Não vai ser tão simples assim”, pontuou. Porém, o diretor de pesquisas da Ipsos alega que outras razões também podem ter influenciado na diminuição da intenção de se vacinar no País, como a sensação de “vida normal” causada pela reabertura econômica.

Outros países

Considerando todas as 15 nações participantes do estudo da Ipsos, a média global de pessoas que pretendem se vacinar é de 73%. Índia (87%), China (85%) e Coreia do Sul (83%) lideram com os índices mais altos de adesão à vacinação. Já os países com menor intenção de se imunizar contra a Covid-19 são França (54%), Estados Unidos, Espanha (empatados com 64%) e Itália (65%). Desde o último levantamento, há pouco mais de dois meses, houve declínio na intenção de tomar vacina em 10 das 15 nações avaliadas. A pesquisa on-line foi realizada entre os dias 8 e 13 de outubro de 2020 com 18.526 entrevistados de 15 países com idade de 16 a 74 anos. Para Maciel, fatores econômicos, culturais e políticos podem influenciar nessa decisão de tomar ou não o imunizante. Nos Estados Unidos, por exemplo, onde há o maior número de casos da Covid-19 no mundo, também existe uma polarização política, observada, inclusive, pela vitória acirrada de Joe Biden contra Donald Trump nas eleições de 2020. Já na Índia, que figura no segundo lugar no número de contaminações (9.266.705), existe uma cultura de grandes eventos e aglomerações, parecida com a brasileira. “Verificamos que no Brasil, México, Índia, há uma ansiedade muito grande em voltar para a vida normal. As pessoas desses países querem vacinas em grandes quantidades e o mais rápido possível. Além de ser mais difícil fazer o isolamento nesses países por características econômicas, também há uma questão cultural. O Brasil gosta de eventos externos e aglomerações, e isso nos aproxima do México e da Índia, por exemplo”, afirmou o diretor da área de pesquisas da Ipsos.

Comentários

Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.