Caso Monark: Veja em quais situações alguém pode ser ‘demitido’ da própria empresa
Sociedade do Flow deve terminar em comum acordo, mas há casos em que a exclusão é feita através da Justiça
O youtuber Bruno Aiub, conhecido como Monark, acabou desligado do podcast Flow na última quarta, 9, após ter defendido, em uma conversa com os deputados federais Kim Kataguiri (DEM-SP) e Tabata Amaral (PSB-SP), que o Brasil deveria ter um partido nazista legalizado e que é aceitável que cidadãos sejam “antijudeus”. Após a repercussão negativa da fala, que levou o programa a perder patrocinadores, Monark justificou-se dizendo que estava bêbado. Não foi o suficiente, o Flow não demorou para divulgar um comunicado no qual informou que o youtuber foi desligado do podcast. Monark era um dos donos das empresas ligadas ao Flow, ao lado do outro apresentador, Igor Coelho (conhecido como Igor3k), e do diretor Gianluca Eugenio. Ele aparece como sócio da IB Holding, empresa constituída como a controladora do Flow, na Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp).
Diante disso, surgiu a dúvida: como Monark poderia ser removido de uma empresa da qual é sócio? Há, basicamente, duas formas de isso ocorrer: ele pode sair em comum acordo com os outros sócios ou ser removido da sociedade (em último caso, inclusive judicialmente). De acordo com Marco Aurélio Gonzaga da Cunha, sócio da área de direito societário do escritório Guarnera Advogados, a maneira extrajudicial tende a ser mais célere e menos custosa. “O contrato social da holding controladora dos Estúdios Flow, da qual Monark é sócio, prevê a possibilidade de exclusão extrajudicial do sócio que coloca em risco a continuidade da empresa. Como resultado da situação desta semana, diversos patrocinadores pediram para desvincular suas respectivas marcas do Flow, rescindindo os contratos. Portanto, é inegável que a manutenção dele no quadro societário coloca em risco a continuidade do negócio, o que, por si só, deve ser usado como gatilho para a exclusão. Para tanto, será necessário realizar uma reunião de sócios que tenha por objetivo deliberar a exclusão dele, na qual Monark poderá apresentar sua defesa. Uma vez aprovada a exclusão pelos demais sócios, será alterado o contrato social e, posteriormente, registrado na junta comercial”, explica Cunha.
Ao que tudo indica, essa não será a via tomada pelo Flow. Em transmissão no YouTube na última quarta-feira, 9, que marcou a despedida de Monark, Igor disse que comprará a parte do colega. “Vocês sabem que ele era meu sócio, na verdade, de 50% do Flow, então a gente tinha meio a meio. O que vai acontecer aqui é que eu vou comprar a metade dele. Porque eu não acredito que seja justo que ele tenha me ajudado a construir isso durante os últimos anos e abra mão de tudo”, disse o outro apresentador. De acordo com os documentos registrados na Jucesp, Monark detém 49,75% da empresa, Igor3k os mesmos 49,75% e Gianluca Eugenio, o 0,5% restante.
O valor a ser pago pela participação societária detida por Monark ainda terá que ser definido. De acordo com Cunha, dependerá essencialmente do tipo de acerto entre os próprios sócios. “A regra geral do Código Civil no caso de exclusão de sócio é que seja levantado um balanço patrimonial, pagando-se pelas quotas do sócio excluído o seu valor patrimonial. Os sócios podem estabelecer no contrato social um mecanismo de cálculo diverso daquele estabelecido no Código — por exemplo, a obrigatoriedade de se contratar uma empresa externa para calcular o valor de mercado das quotas do sócio excluído. No entanto, o contrato social da holding controladora do Flow não possui qualquer regra específica a esse respeito, aplicando-se, assim, a regra geral do Código Civil. Esse cálculo, todavia, seria aplicável na hipótese de exclusão do Monark do quadro societário. Mas nada impede que os sócios optem por uma saída diversa da exclusão, como a compra das quotas pelo Igor. Nesse caso, eles poderão estabelecer outro valor para as quotas no âmbito dessa transação, sem ficar preso ao valor que seria aplicável no caso de exclusão. Nada impede que o valor pago seja maior em função da relação de amizade entre eles”, analisou o advogado.
PRONUNCIAMENTO OFICIAL pic.twitter.com/p1uru0Z4iw
— Flow Podcast (@flowpdc) February 8, 2022
Via judicial
Ainda que o contrato social preveja a possibilidade de exclusão extrajudicial, o assunto poderia ser levado à Justiça pelo ex-sócio Monark a fim de tentar evitar este caminho. “A Justiça normalmente entende que o mais importante é preservar a empresa, pois é ela quem gera empregos e constrói valor para a sociedade. Nesse caso, ela também determina se deve haver algum ressarcimento ao sócio excluído e qual o valor a ser pago, com base na situação patrimonial da empresa. Vale lembrar que, nesse contexto, ser sócio fundador não faz diferença”, destaca Cunha. O advogado ainda ressalta que é necessário ter a certeza de que o afastamento se deu não só em âmbito societário, mas também na parte operacional, ou seja, que ele foi afastado das funções do dia a dia da empresa e não irá apresentar mais o programa nem atuar como produtor ou administrador do Flow. “Importante lembrar que, além de sócio, Bruno era administrador tanto dos Estúdios Flow quanto da holding controladora, e exercia funções operacionais, como apresentador e produtor. Portanto, para que o desligamento ocorra em todos os níveis ele deverá ser destituído da administração de ambas as empresas, além de afastado das funções operacionais que exercia no dia a dia”.
Entenda o caso
O Flow é um programa de entrevistas que os apresentadores definem como uma “conversa de bar”, um bate-papo informal. O programa tem grande alcance, com 3,6 milhões de inscritos no YouTube. No episódio com Kim Kataguiri e Tabata Amaral, a liberdade de expressão se tornou assunto, com o deputado do DEM dizendo que a Alemanha errou ao proibir o Partido Nazista após o término da Segunda Guerra Mundial. Depois, Monark defendeu a legalização de um partido nazista no Brasil. “A esquerda radical tem muito mais espaço do que a direita radical, na minha opinião. As duas tinham que ter espaço. Eu sou mais louco que todos vocês. Eu acho que o nazista tinha que ter o partido nazista, reconhecido pela lei”, afirmou. Tabata rebateu, argumentando que a liberdade de expressão acaba quando coloca a vida de outras pessoas em risco e que o pensamento de liberdade absoluta colocou uma população inteira em risco — além dos judeus, os nazistas também perseguiram testemunhas de Jeová, a etnia romani (ciganos), homossexuais, pessoas com deficiências físicas ou mentais e comunistas ou opositores.
A repercussão foi contundente no dia seguinte. Entidades judaicas como a Confederação Israelita do Brasil, a Federação Israelita de São Paulo e o Museu do Holocausto repudiaram os comentários de Monark. Patrocinadores anunciaram rompimento de contrato com a empresa e outros ressaltaram que não patrocinavam os podcasts do grupo, mas suas imagens ainda eram usadas após ações pontuais. O Flow anunciou o desligamento do apresentador no período da tarde e excluiu o episódio. No dia seguinte, Monark pediu desculpas e justificou-se dizendo que estava bêbado; dois dias depois, afirmou que sofre um linchamento desumano (comentário respondido pelo Museu do Holocausto, que o convidou a conhecer a história do genocídio) e disse que deseja evitar que sua falta de empatia machuque as pessoas. Em 2021, o apresentador já havia causado polêmica ao defender a liberdade de expressão absoluta, mesmo para quem defende posições como o racismo e a homofobia. Segundo sua argumentação, “a ação faz o crime, não a opinião”. Contudo, pela lei brasileira, casos de racismo, homofobia e nazismo são criminalizados. A Procuradoria-Geral da República determinou abertura de investigação contra Monark e Kataguiri.
Comentários
Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.