Construção civil ‘dribla’ pandemia com liderança nas contratações e aumento das vendas
Setor se destaca na economia nacional ao puxar criação de novas vagas e vender mais que no pré-crise; desabastecimento, encarecimento de matéria-prima e falta de reformas ameaçam avanço em 2021
Não foram poucas as ocasiões que o ministro da Economia, Paulo Guedes, enalteceu o desempenho da construção civil ao longo dos últimos meses. O prestígio do setor com o chefe da equipe econômica foi mais uma vez exibido durante a última conversa com jornalistas antes do recesso de fim de ano. Ao detalhar a resiliência da economia brasileira para se adequar ao fosso cavado pela pandemia da Covid-19 e seguir em frente com o “novo normal”, Guedes usou a atividade da construção como exemplo. “Foi o setor que menos perdeu gente e o que mais gerou emprego, mostrando que era possível o retorno seguro ao trabalho”, enalteceu o ministro. De fato, em um ano onde o desemprego bateu recorde, o setor conseguiu se destacar como o que mais criou vagas de trabalho formal. Segundo dados do Ministério da Economia, até outubro — último mês com números consolidados —, a construção civil havia registrado saldo de 138 mil empregos, na diferença entre contratações e demissões, o melhor resultado desde 2013. Para se ter dimensão da importância desse registro, o setor de serviços — a maior fonte de empregos do país — está com resultado negativo em quase 270 mil vagas.
O setor foi considerado atividade essencial pelo governo federal logo no início da pandemia, status que o blindou de medidas de isolamento social impostas para outros segmentos. O aumento das vendas em meio à crise sanitária e econômica comprovaram que a proteção foi correta. Dados da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) mostram que, até setembro, o setor havia vendido 129 mil unidades, salto de 8,4% na comparação com as 85 mil unidades comercializadas no mesmo período do ano passado. Somente no terceiro trimestre, as vendas totalizaram 54 mil unidades, crescimento de 23,7% ante as 44 mil vendidas entre julho e setembro de 2019. A manutenção da taxa básica de juros da economia brasileira em 2% ao ano — o menor patamar da história —, é apontada como a principal razão para o aquecimento do setor. A Selic é usada como base para financiamento imobiliários, logo, quanto mais baixa, mais negócios ela fomenta. As restrições na mobilidade para evitar a disseminação da pandemia também foram fundamentais. Com mais tempo dentro de casa, as pessoas se deram conta da necessidade e da importância do conforto do lar. A poupança forçada pela impossibilidade de gastar em viagens, serviços, entre outras coisas, também ajudou o setor.
“A taxa básica de juros foi o primeiro fator. Mas as pessoas também ficaram mais tempo em casa e deram mais importância para o lar, e muitas investiram em melhorias ou na compra de um novo imóvel. A segurança jurídica também foi fundamental. A lei do distrato trouxe racionalidade para quebra de contratos. A legislação passou pelo teste de estresse e mostrou a sua relevância para a manutenção de emprego no Brasil”, afirma o presidente da CBIC, José Carlos Martins. Se as vendas tiveram resultados positivos, o número de lançamentos foi pelo caminho inverso. Nos nove meses do ano, foram apresentados 27,9% empreendimentos a menos que no mesmo período do ano passado. A retração fez baixar o número de unidades no estoque, o que também pode ser benéfico ao mercado para 2021. A despeito dos números positivos, o Produto Interno Bruto (PIB) do setor deve registrar queda de 2,8% neste ano, influenciado pela retração histórica da economia do país. Para o próximo ano, o setor espera avanço de 4%, impulsionado pelo mercado aquecido de 2020. “Uma coisa é vender, a outra é construir. Como nós vendemos mais em 2020 do que em 2019, teremos que produzir esses imóveis. Essas vendas maiores não refletiram no PIB deste ano, mas, para 2021, iremos precisar repor os estoques e construir o que já vendemos”, diz Martins.
O avanço projetado para o próximo ano é ameaçado pelo desabastecimento de insumos e disparada dos preços diante da alta do dólar. Levantamento feito pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) aponta que a falta ou o alto custo da matéria-prima está no topo da lista de preocupações dos empresários do setor. O Índice Nacional do Custo da Construção (INCC), medido pela Fundação Getulio Vargas (FGV), manteve linha ascendente, saltando de 0,87% em junho para 4,15% em outubro. O nível retraiu para 2,82% em novembro, mas mantém acúmulo de 17,72% no ano, o maior nível da série histórica. “Uma das justificativas para a alta dos preços era a desvalorização do real, mas agora ele já se valorizou, e os preços continuam subindo”, afirma o presidente da CBIC.
O alto custo dos tributos é a segunda principal fonte de dor de cabeça para os empresários da construção. Eduardo Zaidan, vice-presidente de economia do Sinduscon-SP, ressalta a necessidade da aprovação da agenda de reformas do governo federal, principalmente as mudanças no sistema tributário, como fundamental para garantir a manutenção dos índices positivos do setor no próximo ano. “Precisamos de uma reforma tributária de verdade. A construção civil se alimenta dos investimentos que os outros setores fazem. Se houver um cenário incerto, o investidor não vem, e o setor fica tolhido de trabalhar”, afirma. O representante do sindicado que abrange o maior mercado de construção do país ainda afirma que o descontrole dos gastos públicos jogam contra o avanço do setor. “Não existe construção civil andando bem em um país que não vai bem. O Brasil tem uma tarefa urgente que é dar a sinalização correta que sabe lidar com a questão fiscal, que é responsável e que vai investir em reformas para aumentar a produtividade da economia.”
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