Prestes a escolher presidente 10 anos após queda de Gaddafi, Líbia não dá qualquer sinal de estabilidade política

País tem eleições marcadas para o dia 24 de dezembro, mas instabilidade de órgãos eleitorais e ameaças a candidatos levantam dúvidas sobre futuro

  • Por Lorena Barros
  • 21/12/2021 10h00 - Atualizado em 21/12/2021 10h25
Mahmud TURKIA / AFP pessoa andando na rua na líbia Poucas placas convidam eleitores a votarem no país

Dez anos após a queda de Muammar Gaddafi do poder na Líbia, o país planeja ir às urnas escolher um novo presidente no dia 24 de dezembro. A data foi projetada em outubro de 2020, quando o cessar-fogo de um conflito que dividiu o país em dois lados foi assinado. À época, o Acordo Nacional da Líbia – comandado por Fayez al-Sarraj – e o Exército Nacional Líbio – formado por rebeldes e liderados pelo general Khalifa Hafter, que quer ser candidato nas eleições – travavam batalhas que deixavam milhares de mortos em busca do comando territorial da região. Em maio de 2021, a criação do Fórum de Diálogo Político do país determinou que as eleições seriam realizadas com ajuda da Organização das Nações Unidas, que, além manter o seu emissário especial para o país, produziria 2,3 milhões de cartões de votação, ajudando na elaboração da legislação eleitoral, que deveria ser aprovada por uma comissão. O emissário Jan Kubis, que tinha assumido o cargo no mês de janeiro, pediu demissão em novembro e foi substituído pela diplomata Stephanie Williams, que assumiu 10 dias antes da data oficial das eleições para começar a ouvir as partes envolvidas. Os líbios estão prestes a ir às urnas escolher seu futuro, mas a sensação de caos total levanta dúvidas sobre se as eleições realmente vão acontecer. Nas cidades, poucas propagandas mostram quem são os candidatos. Oficialmente, nenhuma lista com os nomes elegíveis foi divulgada até o momento.

A demora na liberação da lista de candidatos menos de duas semanas antes das eleições e a mudança abrupta de emissário da ONU no país eram apenas alguns dos problemas apontados pela comunidade internacional em relação à Líbia. A presença do chefe militar Khalifa Haftar e de Saif al-Islam, filho do ex-ditador do país, Muammar Gaddafi, acusados de crimes de guerra e figuras polêmicas no contexto da primavera árabe de 2011, entre os possíveis candidatos fazem os especialistas acreditarem que tanto em um cenário no qual as eleições aconteçam quanto em um cenário no qual elas não aconteçam, a Líbia não deve ter qualquer sensação de estabilidade em 2022. “ Você tem basicamente três divisões territoriais, lideradas por grupos rivais entre si, o que gera evidentemente uma disputa doméstica significativa e uma semi-guerra-civil latente, que permanece desde 2011. Acho que o grande desafio é saber como você reorganiza a Líbia depois deste período”, questiona o professor da Escola de Relações Internacionais da FGV, Pedro Brites.

O docente explica que o atraso no anúncio das candidaturas não ocorre só por causa dos nomes polêmicos, mas também das ameaças de morte que alguns políticos sofrem no país. Ele frisa que as instituições não dão sinal de firmeza e que é difícil impor um processo eleitoral sem a estabilidade da nação. “Diria hoje que é bastante incerto que as eleições ocorram e, se elas ocorrerem, é incerto se os seus resultados vão ser respeitados. Acredito que 2022 vai ser um ano de instabilidade. Pode ser que isso mude no futuro, mas hoje a gente não tem indícios de que você vai ter assegurada as condições para que esse novo governo eleito exerça o seu mandato”, aponta. Para ele, a resistência doméstica será um fator impeditivo para o possível novo presidente.

O professor de Relações Internacionais da ESPM, Roberto Uebel, afirmou que a “colcha de retalhos” que forma o país depois da morte de Kadafi não interessa apenas ao Oriente Médio, mas também à Europa, outro importante bloco do mundo. “Uma Líbia instável pode ser uma Síria ou um Afeganistão daqui a pouco. Ela pode funcionar como celeiro de grupos terroristas ou abrir passagem para fluxos de migrantes e refugiados. Talvez para o Brasil ou até para os Estados Unidos as eleições da Líbia não mudem em nada, mas para o contexto europeu isso importa muito. A preocupação deles é ter um governo que consiga controlar o território da Líbia e evite a proliferação de grupos terroristas ou a abertura das suas fronteiras para refugiados”, pontua o docente. Além dos dois polêmicos candidatos, outro nome que desponta entre os tímidos dados das eleições no país é o do atual primeiro-ministro, Abdel Hamid Dbeibah.

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