Eleições 2020: Urna eletrônica é segura?
Confira a opinião de especialistas e entenda o funcionamento e a segurança do equipamento utilizado pela Justiça Eleitoral brasileira
Impulsionado pelas acusações de fraude levantadas pelo presidente norte-americano Donald Trump nas eleições dos Estados Unidos, o presidente Jair Bolsonaro reacendeu, no último dia 6, o debate em torno da volta do voto impresso no Brasil. Durante uma live em sua página no Facebook, Bolsonaro disse que apresentará no próximo ano ao Congresso Nacional a proposta para a volta do voto impresso a partir das eleições de 2022. “Esperamos, no ano que vem, entrar, mergulhar na Câmara e no Senado, para que possamos, realmente, ter um sistema eleitoral confiável em 2022”, afirmou. A declaração gerou dúvidas, polêmicas e fez com que eleitores se articulassem em torno do tema. Especialistas ouvidos pela reportagem da Jovem Pan afirmam que o sistema eleitoral brasileiro é confiável e que nunca existiu provas de fraude em urna eletrônica.
A realidade eleitoral se distancia da retratada pelo discurso do presidente, segundo Fernando Neisser, advogado especializado em direito político e eleitoral. “Nunca existiu qualquer prova minimamente sólida de fraude ou alteração de votos em uma urna eletrônica no Brasil. Temos um histórico impecável de segurança. Apesar de parecer contra intuitivo, o voto em papel impresso não é o mais seguro. Geralmente temos essa sensação porque saímos da votação com um papelzinho em mãos. No entanto, qualquer pessoa que trabalha com computador, sabe que a impressora é a peça que mais dá problema. Quando esta peça para de funcionar, o que ocorre com frequência em outros países que adotam o sistema, a votação é travada e por vezes há o impedimento da continuidade nos serviços daquela urna. Isso fragiliza o controle de quem já votou e permite a perda dos votos registrados”, disse.
Outra questão coloca em xeque a segurança do voto em papel impresso. “É muito comum que eleitores errem na votação. Os erros podem acontecer por não saberem exatamente o número dos candidatos ou por se equivocarem na sequência dos votos, como digitarem o número do candidato à prefeito no espaço para o número do vereador. Algumas pesquisas indicam que, quando há o voto em papel, o tempo de votação aumenta em 3 a 4 vezes pela quantidade de eleitores. Imagina só, se o eleitor se confundir e querer corrigir o voto, como ele retira a cédula de votação que já se misturou com os outros papéis dentro da caixa de acrílico?”, explica Neisser. O tempo não seria o único recurso que precisaria ser ampliado para sustentar o sistema de votação. De acordo com o cientista político Alberto Carlos Almeida, implementar o voto impresso inflaria o custo da Justiça Eleitoral. “O Brasil tem uma mentalidade que não vê o custo-benefício dos serviços. A nossa Justiça Eleitoral é uma fortuna, custa R$ 9,2 bilhões por ano. É um gasto sem limite. Adotando o voto impresso, pagaríamos mais por um sistema que não oferece maior segurança. Por exemplo, no passado, quando o adotávamos, os votos eram apurados, registrados em uma planilha geral e transferidos para a planilha oficial. Neste momento de transferência entre uma planilha para a outra, ocorriam muitas fraudes“, afirma. O custo da votação abrange uma série de serviços, como mobilização de sessões eleitorais, locais de votação, mesários voluntários, que teriam de ter sua capacidade e seu valor, no mínimo, dobrados para comportar o novo modelo, demandando cerca de R$ 4,5 bilhões a mais de investimento.
De acordo com o advogado Neisser, além de não ser mais seguro, o sistema de votação defendido pelo presidente Jair Bolsonaro fere a própria legislação. “Não é possível implementar o voto impresso porque o Supremo Tribunal Federal (STF) já entendeu que ele quebra a segurança do sigilo do voto. O sigilo do voto, por sua vez, é uma cláusula pétrea da Constituição Federal, que não pode ser alterada nem por uma emenda constitucional. Portanto, qualquer tentativa de implantação do voto impresso esbarra na violação do sigilo do voto”, explica.
Entenda o funcionamento e a segurança da urna eletrônica
As urnas foram desenvolvidas visando o público específico do Brasil. Ela carrega características que outras não têm, como a ideia de ser uma urna estritamente numérica, com um teclado muito parecido aos de telefone e com as teclas grandes para serem compreendidas, inclusive, por parcelas da população com menor grau de instrução. É uma urna que consegue funcionar mesmo em situação atípicas de flutuação de energia, possui bateria interna e, do ponto de vista da segurança, não tem qualquer capacidade de se conectar à internet. Não funciona por Wi-Fi, Bluetooth ou cabo de conexão. “É tão possível um hacker entrar na urna eletrônica quanto é possível ele invadir a calculadora que tenho na minha casa”, diz Neisser.
Dentro da urna eletrônica, os votos são computados de maneira embaralhada e criptografada, para que não seja possível identificar para quem foi o voto de cada eleitor. Desta forma, a compra de votos é combatida já que é impossível o criminoso identificar se, realmente, o voto que comprou foi destinado ao seu candidato. As informações registradas na urna permanecem armazenadas no equipamento. Apenas ao término do dia de votação, o sistema interno calcula os votos e produz o arquivo Registro Digital de Voto. Em seguida, estas informações são gravadas em uma pequena ferramenta, a Memória de Resultado, que permanece sob o uso exclusivo da Justiça Eleitoral. Ainda sim, os dados contidos na Memória de Resultado seguem guardados em outro cartão de memória na urna, como forma de precaução frente a qualquer problema.
No atual sistema, os votos da mesma pessoa são registrados de maneira separadas, evitando fraudes. Mesmo que, adotando o voto em papel, fossem impressos diferentes cédulas para as diferentes modalidades de voto, como uma para vereador e outra para prefeito, a máquina geraria um arquivo de impressão. “Este arquivo é fixado no log da urna, ou seja, no registro de tudo que aconteceu na programação do equipamento. Isso é ruim porque, se quero fraudar as eleições comprando votos, viro para um determinado eleitor e digo: ‘olha, você vai votar nesta combinação de candidatos. No candidato X para presidente, Y para deputado etc.’, e crio uma combinação completamente implausível de ser realizada politicamente para que eu possa identificar o voto naquela urna. Assim, posso saber se, aquela pessoa da qual eu comprei o voto, o entregou. A grande sacada do sistema eleitoral brasileiro é saber que existe uma compra de votos endêmica e que, a urna eletrônica garante, no fim, a liberdade do eleitor de votar em quem quiser”, concluiu Nesser.
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