Candidatos a prefeito começam a campanha pela periferia de SP

Pesquisa Ibope mostra que 33% dos paulistanos citam a saúde como a maior preocupação; e a pandemia de Covid-19 aumenta ainda mais a demanda por propostas para a área

  • Por Jovem Pan
  • 27/09/2020 17h36 - Atualizado em 28/09/2020 10h53
TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO CONTEÚDO Arthur do Val é o candidato do Patriota

Bairros populosos e afastados do centro de São Paulo receberam neste domingo, 27, os primeiros eventos oficiais das eleições deste ano, mesmo diante das dificuldades impostas pela pandemia de Covid-19. No primeiro dia de campanha eleitoral, a periferia da cidade foi o destino de candidatos à prefeitura para pedir votos aos moradores. Nos próximos 12 dias, enquanto não começa a propaganda de rádio e TV, os partidos políticos apostam no trabalho de rua para atrair a atenção dos eleitores. O mais recente levantamento Ibope mostrou que a maior parte dos paulistanos com renda baixa e pouca escolaridade está sem candidato.

A pesquisa, publicada domingo passado, mostra que 61% dos entrevistados que recebem de um a dois salários mínimos não sabem ou não responderam em quem vão votar. A taxa cai para 48% entre quem ganha até cinco salários. A porcentagem de desinformados também é maior entre aqueles que só concluíram o ensino fundamental (67%), se comparada a quem fez o ensino médio (58%).

Zona sul

Bruno Covas (PSDB) – O atual prefeito começa sua agenda pública em uma igreja na região de Socorro, zona sul. Nas primeiras semanas da campanha, Covas pretende defender seus feitos na prefeitura e se apresentar como alguém ligado a uma agenda progressista. Os 12 novos CEUs, por exemplo, receberam nomes de personalidades negras que se destacaram na história. O nome do governador João Doria (PSDB) será usado, segundo aliados, com “moderação” e apenas para reforçar a boa relação com o estado. O Ibope mostrou que Doria, bem como o presidente Jair Bolsonaro, tem baixa capacidade de transferência de votos.

Guilherme Boulos (PSOL) – Em outro extremo da cidade, Boulos vai dar largada na campanha com a inauguração de seu primeiro comitê eleitoral em São Mateus, na zona leste. Segundo o coordenador da campanha, Josué Rocha, a ideia é explorar a memória que a população de bairros afastados tem da ex-prefeita Luiza Erundina, candidata a vice de Boulos.

Jilmar Tatto (PT) – O legado de gestões antigas na capital paulista também será explorado pelo PT, que já administrou a cidade em três ocasiões. Para marcar o início formal da campanha de Jilmar Tatto, o partido promete fazer carreatas em 40 pontos de São Paulo hoje. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva será figura constante, tanto na campanha na TV como em cartazes, camisetas e adesivos.

Márcio França (PSB) – A campanha de França também planejou uma ação para mobilizar simpatizantes em carros: um adesivaço. Os estrategistas do ex-governador pretendem manter as críticas a Doria.

Celso Russomanno (Republicanos) – Primeiro colocado na pesquisa Ibope, Russomanno deve apostar na ligação com Bolsonaro. Ontem, antes de o presidente receber alta após cirurgia para retirada de um cálculo na bexiga, Russomanno foi ao Hospital Israelita Albert Einstein visitá-lo e divulgou a foto do encontro nas redes sociais. Na quinta-feira, Bolsonaro disse que apoiaria candidaturas em São Paulo, Santos e Manaus. Até a conclusão desta edição, Russomanno não tinha informado a agenda de campanha para hoje.

Entre os compromissos de Joice Hasselmann (PSL) está uma caminhada na Praça da Sé. Andrea Matarazzo (PSD) visita uma comunidade em Jova Rural, na zona norte.

Com pandemia, saúde é destaque na campanha

A saúde tradicionalmente é apontada por eleitores como a área a ser priorizada por candidatos a comandar os 5.570 municípios brasileiros. Pesquisa Ibope divulgada na semana passada mostra que 33% dos paulistanos citam a saúde como a sua maior preocupação. Nestas eleições, que têm início oficialmente hoje, a pandemia de Covid-19 torna ainda mais urgente a demanda por propostas que reduzam a fila por exames, consultas com especialistas e cirurgias de menor complexidade – uma atribuição da Atenção Primária, sob o comando de prefeituras.

Em comparação com o mesmo período do ano passado, esse tipo de atendimento teve uma queda de 16,3% de janeiro a julho deste ano, segundo o Ministério da Saúde. Foram pouco mais de 6 milhões de atendimentos – queda de 1,16 milhão em relação a 2019. Na prática, a prioridade dada ao tratamento de pacientes infectados com o novo coronavírus fez com que o SUS retrocedesse ao menos 12 anos na prevenção de doenças por meio de atendimentos eletivos. Em 2008, primeiro ano da série histórica disponível para consulta, foram feitos 6,3 milhões de procedimentos padrão.

No caso de cirurgias de mama, por exemplo, o Sistema Único de Saúde (SUS) realizou pouco mais de 12 mil procedimentos nos sete primeiros meses deste ano. Em 2016 foram 19,8 mil no mesmo período. O retrocesso no número de cirurgias é acompanhado pelo total de consultas com especialistas, que antes registrava ligeiro aumento ano a ano, mas que caiu diante do coronavírus. Foram 188,4 mil atendimentos em 2020, contra 218,6 mil em 2016.

Desafios – O cenário geral, especialmente dos municípios grandes e médios, é de um sistema inchado, em decorrência da recessão econômica e da alta do desemprego. Mas também desigual, por causa dos modelos de gestão estarem em boa parte divididos entre a administração direta e a crescente participação das Organizações Sociais, nem sempre de forma exitosa. Os vencedores das eleições terão de comandar um sistema ainda mais deficitário por estrutura e verba e, ainda assim, apto a vacinar a população contra o novo coronavírus. Este seria um dos principais desafios da próxima administração, segundo especialistas ouvidos pela reportagem

Professor da Faculdade de Saúde Pública da USP, Gonzalo Vecina afirma que atualizar as agendas médicas das doenças crônico-degenerativas que deixaram de ser cumpridas é medida urgente a ser tomada. Por causa da pandemia, não se deu início, por exemplo, a internações para tratamento de câncer, cirurgias cardíacas e colocação de marca-passo, entre diversos outros procedimentos. “Essa é uma agenda irrecuperável. Quem passou do tempo, ou já morreu ou vai morrer. É um negócio bem dramático”, diz.

Ampliar a qualidade do Programa Saúde da Família (PSF), comandado pelos municípios; assegurar ao menos a manutenção do volume atual de gastos; fiscalizar de forma mais efetiva a qualidade dos serviços prestados pelas Organizações Sociais (OSs) – já presentes em várias capitais – e investir em tecnologia são decisões igualmente necessárias. Da mesma forma, pesquisadores e especialistas em saúde pública ressaltam que a pandemia explicitou que desigualdades sociais afetam diretamente a saúde dos mais pobres. Não à toa são eles as principais vítimas da Covid-19.

O mapa de São Paulo comprova esta realidade. Quando a cidade registrou 10 mil mortos, em julho, os 25 primeiros distritos com mais mortes pelo novo coronavírus estavam nas zonas afastadas do centro. Juntos, somavam 4.109 óbitos (42,1% do total). Em primeiro lugar estava Sapopemba, na zona leste, seguido por Jardim Ângela, na zona sul, e Brasilândia, na zona norte da cidade. Nessas regiões se encontra a população mais vulnerável em termos sociais, educacionais, econômicos e de saúde. Lugares onde muitas pessoas não puderam praticar o isolamento social, se expondo ao risco de contágio e transmissão.

“Se a pandemia nos fez compreender mais profundamente como funciona o SUS e a importância dele, ela também precisa nos ensinar que o sistema deve ser realmente único, oferecendo a mesma qualidade de atendimento”, diz a professora Ligia Bahia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Uerj).

* Com Estadão Conteúdo

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