Diante do atrito entre Salles e Ramos, Bolsonaro fez o que costuma fazer: morder e assoprar

Presidente demonstrou muitas vezes que episódio o irritou, mas quer acabar logo com a discórdia; nos bastidores, fala-se abertamente que a guerra continua e que governo está dividido

  • Por Álvaro Alves de Faria
  • 27/10/2020 11h15
Fátima Meira/Estadão Conteúdo Ministro discursa em evento Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, atacou publicamente outro ministro do governo, Luiz Eduardo Ramos

Uma volta de moto por Brasília pode parecer que tem um clima é de festa. Todos paramentados como corredores que disputam um Grande Prêmio. Blusões de couro, luvas adequadas e as motos ali prontas para o grande desfecho de mais uma história esquisita de um governo que gosta muito de produzir histórias esquisitas. Bolsonaro gosta de coisas esquisitas. E tudo é mesmo esquisito. O país é assim. Ninguém sabe ao certo o que é o Brasil. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, dentro de sua inexpressividade, escreveu na rede social que o ministro-chefe da Secretaria do Governo, general Luiz Eduardo Ramos, era um “maria-fofoca”. Pegou mal. Coisa inacreditável num governo que se pretende sério. Pegou mal, muito mal. A ala militar do governo não gostou. A ala militar não gosta de coisas esquisitas. Não gostou e demonstrou isso abertamente, com declarações contundentes que vazavam.

Vendo que se excedeu ou foi comunicado que passou da linha do suportável, Ricardo Salles utilizou o Twitter para pedir desculpas ao general Luiz Eduardo Ramos. E o general também usou a rede social para informar aos brasileiros que não existe problema nenhum. Está tudo bem. O gesto dos dois ministros tentou colocar um fim à desavença, mas não conseguiu. O assunto ainda está dando muito pano para a manga. Os ânimos estão alterados. Não é uma volta festiva de moto pelas avenidas de Brasília que vai acabar com as divergências cada vez mais fortes entre a ala ideológica e a ala militar do governo. A gestão do governo no setor do meio ambiente é lamentável. O mundo reclama disso. Dá-se ao meio ambiente o mesmo descaso que se deu e ainda se dá ao vírus chinês. O general Ramos não está bem nessa parada, mas conseguiu alguns apoios na desavença com Ricardo Salles, especialmente do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre. E some-se a isso a maioria dos integrantes do Centrão, que Bolsonaro procurou para poder governar. O general Ramos é governo, não é um parlamentar. Sente-se mais ou menos desamparado no Palácio do Planalto. Ricardo Salles agrediu verbalmente o ministro-general Ramos e não foi repreendido por Bolsonaro nem por seus colegas na Esplanada. Pelo contrário: recebeu mensagens afetivas e felizes de ministros que não apoiam a ala militar do governo. Por exemplo, o filho do presidente, deputado Eduardo Bolsonaro, apoiou Salles publicamente.

A única voz discordante foi a do vice-presidente Hamilton Mourão, que resumiu a questão em poucas palavras: “Roupa suja lava-se em casa”. Nessa saia justa, Bolsonaro inventou o passeio de moto reunindo todo mundo. Fez o que costuma fazer: morde e assopra. Seja como for, Bolsonaro demonstrou muitas vezes que esse episódio o irritou. Mas quer acabar logo com essa discórdia. E adiantou que não vai demitir nenhum dos dois ministros que entraram em atrito. Mas a verdade verdadeira é que Bolsonaro está à procura de um nome para substituir o general-ministro Luiz Eduardo Ramos no governo. Já o general-ministro prefere dizer que uma boa conversa faz apaziguar as diferenças. Com intrigas não se resolve nada, especialmente quando tratam de questões relevantes para o país: “Eu e Ricardo Salles prosseguimos juntos em nome de nosso presidente e em prol ao país”, diz ele candidamente.

Mas continua aquela coisa de que Ricardo Salles está esticando a corda com a ala militar do governo, que provocou tudo isso. O que se diz no Palácio do Planalto é que a ala ideológica quer mesmo o general Ramos fora do governo. Afirma-se que esse episódio foi, na verdade, uma tentativa de derrubar o ministro. E isso vem sendo tentado desde que Bolsonaro escolheu o ministro Ramos para negociar com o Centrão a fim de formar a base de apoio do governo. Algumas fontes de Brasília garantem que Ricardo Salles pediu desculpas a Ramos por exigência de Bolsonaro. Uma volta de moto por Brasília é até romântica, com aquele vento no rosto. Mas não se sabe se esse vento no rosto é mesmo capaz de pôr ordem nas coisas. Lá no subterrâneo e nas esquinas onde as conversas são mais livres, fala-se abertamente que a guerra continua. O governo está dividido. E ninguém chama um general-ministro de “Maria Fofoca” se não estiver bem protegido.

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