Atraso em definição de regras do novo marco do saneamento gera apreensão de operadores

Metodologia para comprovação de demonstração da capacidade para promover o alcance das metas de universalização não está regulamentada

  • Por Fernando Vernalha
  • 21/02/2021 08h00
Agência Brasil Saneamento Básico no Brasil É provável, inclusive, que muitas empresas não consigam demonstrar sua condição para promover esses investimentos

Das muitas novidades trazidas com o novo marco legal do saneamento, uma em especial tem gerado muita apreensão nos operadores atuais: a regra que exige a demonstração de sua capacidade para promover o alcance das metas de universalização cravadas na legislação. Nela, 90% de cobertura vai para o esgotamento sanitário e 99% para a distribuição de água. Estas metas deverão ser implementadas até dezembro de 2033. Segundo as novas regras, os atuais contratos (de programa) para prestação do serviço de saneamento terão de ser adaptados até março de 2022, com vistas a incorporar as novas metas. Até lá, eles terão de comprovar que possuem capacidade econômico-financeira para isso. O problema é que a metodologia para esta comprovação ainda não está regulamentada. O legislador estabeleceu um prazo de 90 dias, a partir da publicação da lei, para que o Executivo regulamente a questão. Essa data venceu em meados de outubro de 2020, sendo que até agora não foi publicado o decreto regulamentador. O atraso do governo federal em prover essa regulamentação tem preocupado muito os atuais operadores, em vista do encurtamento desta janela até março do ano que vem (quando os contratos deverão ser adaptados). Sem a definição desta questão, os operadores não têm como avançar com as análises para a comprovação de sua capacidade de implementar as novas metas de universalização.

Esta demonstração torna-se ainda mais desafiadora em função de sua possível dependência de outra agenda: a da implementação da regionalização da operação do serviço. Segundo as novas regras, a demonstração da capacidade dos operadores para implementar as metas de universalização pode levar em consideração a regionalização, a ser provida pelos estados, encarregados de criar as chamadas “unidades regionais de saneamento”, ou – subsidiariamente – pela União, que poderão criar os “blocos de referência”. Algumas definições sobre isso já constam do recente Decreto federal 10.588/2020, mas a efetiva implementação da regionalização ainda está por vir.

Da definição destes temas – especialmente da forma de demonstração da capacidade econômico-financeira para implementar as metas de universalização – depende a permanência dos prestadores atuais na operação do saneamento. É um tema caro para as companhias estaduais, que precisam prover essa demonstração para seguir com a execução dos atuais contratos. É provável, inclusive, que muitas delas não consigam demonstrar sua condição para promover esses investimentos. Isso conduzirá os estados a colocá-las em rota de privatização ou a reduzir o seu tamanho. Desenhos regionais como os adotados nos processos de desestatização dos estados do Rio de Janeiro e de Alagoas podem ser uma opção – mantendo-se a companhia estadual com o escopo restrito de produção da água.

Apesar da indiscutível relevância e urgência da divulgação dessa regulamentação, o Executivo vem retardando sua publicação. Alega que é preciso aguardar a discussão sobre o veto presidencial à regra do artigo 16 da Lei 14.026/2020, que versava sobre possibilidade de prorrogação dos contratos de programa e regularização dos vínculos precários. Mas essa não é uma razão que justifique a procrastinação da publicação do decreto. Com ou sem definição acerca da eventual rejeição ao referido veto presidencial pelo Congresso, aquele decreto precisa ser urgentemente publicado. Afinal, e como se disse, sem essa regulamentação os operadores atuais não estarão aptos a providenciar a demonstração de sua capacidade para investir na implementação das metas de universalização. E esta demonstração não será simples e célere. Sem dispor de caixa para isso, é bastante provável que as companhias tenham de buscar junto a bancos o reconhecimento da financiabilidade destas operações, o que invariavelmente demandará um tempo razoável de análise. E tudo isso – vale repetir – precisa ser feito até março do próximo ano. Parece um encargo excessivamente complexo para um prazo que vem sendo cada vez mais encurtado pela inércia do governo. Com o atraso na agenda de regulamentação, torna-se cada vez menos factível aos operadores cumprirem a exigência no prazo definido. A ver.

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