O aquecimento global já chegou: o Brasil está preparado para enfrentar as consequências climáticas?

Maior estiagem em 111 anos prejudica a produção de energia elétrica e o fornecimento de água da população, mas o governo pouco faz para conter o desastre que se avizinha

  • Por Helena Degreas
  • 17/08/2021 09h00 - Atualizado em 17/08/2021 09h39
Tiago Queiroz/Estadão Conteúdo Mulher de top e saia, sentada no canteiro central do Minhocão, bebe água; há um homem de boné e sem camisa a alguns metros dela, e um grupo de pessoas andando de costas para ela em uma das vias Cidadãos passeiam no Elevado João Goulart, o Minhocão, durante um dia de calor em pleno inverno paulistano

O cenário atual pode ser descrito a partir das manchetes estampadas nos noticiários mundiais. Incêndios florestais que atingem toda a região do Mediterrâneo e Leste Europeu; Alasca e Sibéria sofrem com os “incêndios zumbis” provocados por fogos que adormecem sob a neve, aguardando queimar a turfa seca durante os verões que são cada vez mais longos e quentes. Em Manhattam, a fumaça provocada pelos incêndios no oeste dos Estados Unidos e no Canadá, alimentada pelas temperaturas de 50°C, atravessam todo o território americano, obscurecendo os céus do outro lado do país. Chuvas intensas e tempestades provocaram centenas de mortes e milhares de desabrigados na região central da China e na Europa central, atingindo Alemanha, Holanda, França, Turquia e Bélgica, levando governos e empresas a reconhecer a gravidade da situação e a adotar metas, regulações e ações conjuntas para reduzir as emissões de gases que provocam o efeito estufa e impedir os desastres que trazem danos materiais e põem em risco a vida das populações.

Em comum, há vontade política e o comprometimento de governos e empresas para rever matrizes energéticas, objetivando criar programas e ações efetivas visando zerar as emissões de CO² e reverter a situação que atualmente o planeta atravessa. É uma ação conjunta de líderes mundiais que tentam proteger cerca de 7,8 bilhões de habitantes. A semana passada foi marcada pela apresentação do Sexto Relatório de Avaliação (AR6) do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), trazendo com ele um alerta preocupante: os danos causados pela emissão de gases de efeito estufa permanecerá na atmosfera pelas próximas décadas, agravando as consequências dos extremos climáticos graças à continuidade no aumento da temperatura terrestre até 2050, considerando os cenários atuais de emissões. Com o aquecimento de 1,5°C, os principais problemas sentidos pelos países serão:

  • Ondas de calor e temperatura mais altas associadas ao tempo seco afetarão a saúde da população, aumentado os riscos de doenças respiratórias e precipitando a morte de milhares de pessoas, em especial aquelas com comorbidades e as mais idosas;
  • A acidez dos oceanos poderá reduzir e extinguir ecossistemas marinhos e, com eles, prejudicar populações que economicamente dependem da pesca e demais produtos para a sua sobrevivência;
  • As secas e as tempestades afetarão a produção agropecuária como um todo, interferindo na produção de frutas, hortaliças, grãos, leite, ovos e nos custos dos produtos;
  • O ciclo das águas está sendo afetado nas regiões subtropicais com chuvas mais intensas, tempestades e inundações associadas. Os períodos de seca serão mais longos afetando o abastecimento de água nas cidades. Para a realidade brasileira a produção de energia elétrica será afetada com a redução dos reservatórios de água;
  • Marés mais altas e ressacas mais intensas afetarão cidades costeiras. São consequências imediatas do degelo das calotas polares e, consequentemente, o aumento do nível do mar. 

E no Brasil? Os efeitos resultantes do aquecimento da temperatura global já são sentidos pela população brasileira: a longa estiagem e a baixa precipitação que ocorre no Brasil é classificada pelo Sistema Nacional de Meteorologia (SNM), órgãos federais ligados à meteorologia, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e o Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden) como severa. É a mais baixa precipitação e volume de chuvas em 111 anos de medições. A baixa precipitação já prejudica a produção de energia elétrica e o fornecimento de água da população, podendo levar ao colapso das cidades se políticas públicas para prevenção do desastre que se avizinha não forem tomadas no âmbito federal, nos Estados e nos municípios. A inação criminosa dos gestores públicos frente às consequências da falta de energia e água nas cidades brasileiras é desoladora, mas previsível, frente às sistemáticas ações predatórias da atual política ambiental praticada pelo atual habitante do Palácio do Planalto

No âmbito federal, as ações mais significativas para tentar evitar o iminente “apagão” e solucionar as previsíveis consequências da escassez de chuvas e garantir o suprimento de energia elétrica aos consumidores resumiu-se ao reajuste em 52% no valor da bandeira vermelha das contas de luz pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) em julho de 2021 e ações para ampliar o fornecimento de energia elétrica por meio de usinas termelétricas abastecidas por óleo diesel, carvão e gás natural. A primeira ação proposta impacta diretamente o bolso da população social e economicamente vulnerável, ou ainda, os mais de 50% das famílias brasileiras que ganham até três salários mínimos. Afeta diretamente aqueles trabalhadores cujas empresas adotaram o home office como expediente para evitar o contágio de seus colaboradores e, por fim, todos os desempregados que foram alçados pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, ao patamar de “empreendedores individuais”, que batalham para criar soluções alternativas em seus lares a fim de ganhar alguns trocados e não depender de auxílios emergenciais federais. 

Quanto à segunda ação, a adoção de um combustível altamente poluidor como ferramenta para evitar a escassez de energia e “colaborar na preservação dos usos da água e na governabilidade das cascatas hidráulicas”, como descrito pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) no dia 04 de agosto, é possível afirmar que a proposta vai na contramão das boas práticas ambientais adotadas pelos cerca de 190 países que utilizam as informações científicas produzidas pelos relatórios do IPCC para o desenvolvimento e tomada de decisões políticas, econômicas e sociais de gestores públicos sobre o aquecimento global e suas consequências desde 1992. É um absurdo sem precedentes: a combustão de carvão ou das outras energias de origem fóssil gera mais CO² aumentando a temperatura do planeta. No Congresso Nacional, deputados federais continuam a propor pautas predatórias para agradar seus apoiadores e que destroem ecossistemas: em exemplo recente, o Delegado Waldir (PSL-GO) apresentou projeto de lei PDL nº338/2021 que anula a ampliação da unidade de conservação do cerrado brasileiro (criada em 2017) em 73% ou, ainda, em cerca de 175 mil hectares, afirmando que a área prejudica os agricultores da região. Além dele, infestam o Congresso liderado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, outros projetos de igual teor que aguardam votação, como os que impedem a demarcação de terras indígenas e quilombolas, incentivando a grilagem e a exploração predatória e demais propostas que fragilizam e reduzem áreas de proteção e conservação. 

É incompreensível, revoltante e irresponsável por parte do governo federal e de congressistas que pautas da agenda internacional ambiental sejam tratadas com tamanha desfaçatez. Passou da hora de o governo federal, o dos Estados e o dos municípios brasileiros planejarem políticas públicas de curto, médio e longo prazo para resolver a crise pela qual o mundo está passando, propondo metas de redução de emissões e neutralidade de carbono até 2030. Para além dos dados construídos em bases científicas pelo relatório do IPCC, gestores eleitos devem assumir os princípios de responsabilidade intergeracional no âmbito ambiental para que crianças e jovens tenham a chance de viver num planeta seguro e saudável.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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