No Brasil, governantes não são adultos ao lidar com a Petrobras

Além de Bolsonaro, ex-candidato a presidente Ciro Gomes já prometeu acabar com a flutuação de preços dos combustíveis, e Guilherme Boulos defende que governo interfira na estatal; ex-presidente Dilma também segurou aumentos para conter a inflação

  • Por Samy Dana
  • 23/02/2021 09h10
Tânia Rêgo/Agência Brasil Fachada da Petrobras escrito em prata em uma placa Bolsonaro trocou o comando da Petrobras

A troca do comando na Petrobras, junto com ameaças de intervenção no Banco do Brasil e na Eletrobras, é mais uma comprovação: no Brasil, os governantes não conseguem ter uma relação adulta com as estatais. Principalmente com a petroleira, alvo de insatisfações dos caminhoneiros, parte da base de apoio do presidente Jair Bolsonaro, por causa dos aumentos no diesel, que subiu 27% no ano. A atual política de preços da empresa começou em 2016. Nos primeiros meses, a cada 30 dias se decidia, com base nos preços internacionais, quanto os combustíveis deviam custar nos 30 dias seguintes. Mas em 2017, com as cotações mais instáveis no exterior, os ajustes passaram a ser quase diários. Veio a greve dos caminhoneiros, em 2018, e, pressionada pelo governo, a política mudou de novo. Os aumentos ocorrem em até 15 dias.

Para o governo, ficou claro nos últimos dias: não basta. Mesmo a cada duas semanas, os preços continuam a subir. A cotação do barril no mercado internacional é estimulada pelo inverno inclemente nos Estados Unidos. Também existe a expectativa de que, com a recuperação das economias devido às vacinas, a demanda por petróleo também aumente. Ou seja, a tendência é de alta, o que ainda piora com a instabilidade do dólar. Mas, para o presidente, se a Petrobras repassa a alta no exterior, não se preocupa com o Brasil. O resultado é mais uma crise. Na sexta-feira, as ações caíram 6,6% na B3. Com a troca, deselegante, do presidente da empresa, Roberto Castello Branco, pelo general Joaquim Silva e Luna, a ação abriu esta segunda com uma queda maior ainda: -16%. Era esperada.

Para fazer justiça, Bolsonaro não está sozinho. O ex-candidato a presidente Ciro Gomes (PDT) já prometeu acabar a flutuação de preços dos combustíveis no Brasil se vier a ser eleito. Guilherme Boulos (PSOL) é outro defensor de que o governo deve interferir na Petrobras. Sempre se deve lembrar também que o governo da ex-presidente Dilma segurou aumentos dos combustíveis para conter a inflação. Mas o que importa para o mercado agora é Bolsonaro.

No fim de semana, XP, Bradesco e Credit Suisse cortaram as recomendações para a Petrobras. A leitura dos investidores é de que, com a troca de comando, a política de preços vai mudar. Uma suspeita que vinha aumentando desde o início do mês, quando a estatal ampliou de três meses para um ano o prazo de cálculo da paridade internacional de preços dos combustíveis. Em vez de demitir o atual CEO da Petrobras, o presidente devia agradecer pelos seus serviços. Na gestão Castello Branco, a empresa reduziu o endividamento e começou a venda de ativos pouco lucrativos. Mesmo com algum atraso, a política de preços flutuantes vinha sendo mantida. Mas no Brasil, preços flutuantes só funcionam quando os combustíveis ficam mais baratos.

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