Equipe econômica de Lula não entra em consenso sobre viabilidade de moeda única com Argentina
Presidente anunciou intenção de criar medida para transações comerciais e financeiras entre os dois países; Fernando Haddad, ministro da Fazenda, diz que objetivo não é substituir o real e o peso
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) desembarcou na Argentina na noite do último domingo, 22, e vai participar da 7ª cúpula da Comunidade de Estados Latinoamericanos e Caribenhos (Celac). Ele deverá se encontrar com o presidente argentino Alberto Fernández e outros líderes do continente, além de também ir ao Uruguai na sequência. Existe também a expectativa de encontros de Lula com Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, e Miguel Díaz-Canel, chefe do regime de Cuba. No sábado, 21, antes de embarcar para o país vizinho, Lula divulgou uma carta em parceria com Fernández enaltecendo a relação dos dois países. No texto, publicado no jornal “Perfil”, de Buenos Aires, os chefes de governo ressaltam que questões comuns, como a reindustrialização, criação de empregos de qualidade e investimento em inovação tecnológica, precisam ser discutidas entre as maiores economias da América do Sul. Lula e Fernández também citaram a criação de uma moeda da América do Sul. A intenção dos dois presidentes é reduzir a dependência do dólar na região, mas não há consenso na equipe econômica do governo brasileiro sobre a viabilidade da medida. Esta é a primeira viagem internacional do petista em seu terceiro mandato como presidente do Brasil. Na ausência dele, quem assume o Palácio do Planalto é o vice Geraldo Alckmin (PSB).
Em entrevista ao site Poder 360 na noite do domingo, o ministro da Fazenda Fernando Haddad comentou a questão da moeda única, afirmando que a intenção é “driblar a dificuldade” dos argentinos com importações de produtos brasileiros. “O problema é exatamente a divisa. A gente está quebrando a cabeça para encontrar uma solução. Alguma coisa em comum, alguma coisa que permita a gente incrementar o comércio, porque a Argentina é um dos países que compram manufaturados do Brasil e a nossa exportação para cá está caindo. Passa por driblar a dificuldade deles. Estamos pensando em várias possibilidades”, afirmou. Ele explicou o real e o peso não deixariam de existir e que a nova moeda seria uma divisa virtual, usada exclusivamente em operações comerciais e financeiras entre os dois países. O ministro ainda disse que deverá comentar mais o assunto nos próximos dias. Já o ministro da Economia da Argentina, Sergio Massa, disse em entrevista ao jornal “Financial Times” que a ideia da nova moeda será discutida nesta semana na capital argentina e que o projeto, a longo prazo, é um convite aos países da América do Sul.
Para o professor de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP) e especialista na América Latina Alberto Pfeifer a possibilidade de uma moeda única entre Brasil e Argentina é remota: “Para ter uma moeda comum, uma moeda única, é preciso ter política monetária no mínimo harmonizada. O que não faz nenhum sentido. O Brasil hoje tem um Banco Central independente, tem uma política fiscal bastante crível, enquanto a Argentina não tem isso. A Argentina passa por um processo inflacionário, escalada das contas públicas. Não há a mínima possibilidade disso acontecer no curto, no médio, e eu diria que no longo prazo tem que ser um projeto muito organizado. Para que isso aconteça, tem que haver coordenação macroeconômica, harmonização monetária, são vários passos até que se possa chegar a uma moeda comum. Não creio que seja o caso de se ter qualquer tipo de perspectiva concreta sobre isso”.
Entre os principais assuntos que o presidente do Brasil deverá discutir com os líderes da América do Sul estão saúde, tecnologia, comercio, energia e ciência. Segundo o secretário para as Américas do Ministério das Relações Exteriores, embaixador Michel Arslanian Neto, Lula e Fernández deverão firmar um acordo de cooperação em ciência, tecnologia e logística envolvendo as estações dos dois países na Antártida. “É um reforço, compartilhamento de informações colhidas por ambos programas. É um pouco desse espírito de retomar uma dinâmica de maior proximidade e estreitamento nos vários campos da relação, que nos últimos anos… A gente não pode dizer que a relação do Brasil com a Argentina, ela é tão densa, tão forte, a gente não pode dizer que esteve paralisada, porque isso é errado, mas claramente é uma relação que esteve subaproveitada, e, agora, há um espírito de urgência e de retomar essa relação e colocá-la em marcha forçada, no sentido positivo, nos vários campos estratégicos”, disse. Já o embaixador Christian Vargas, coordenador dos assuntos relacionados à Organização dos Estados Americanos (OEA) junto ao Itamaraty, lembra que as discussões entre os dois países também envolvem outros temas como a integração energética. “Há certamente uma discussão muito intensa na Celac sobre integração energética e o aproveitamento que a região pode ter, dado o seu perfil, já de suas matrizes energéticas no contexto da transição energética global, por exemplo, essa é uma discussão muito atual no mundo e que impacta investimentos, desenhos de programas industriais, e a região está muito bem posicionada para isso. Nós entendemos que é um dos temas que tende a dar impulso ao Brasil, o combate à mudança do clima”, diz.
*Com informações da repórter Marília Sena
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