Pouco divulgados, casos de depressão no futebol são mais comuns do que se imagina

  • Por Cléberson Santos / Jovem Pan
  • 23/09/2017 11h00 - Atualizado em 24/09/2017 16h45
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Divulgação / Ivan Storti / Santos FC Nilmar atuou em apenas dois jogos desde que assinou com o Santos

Nilmar se tornou um caso raro no meio do futebol profissional. Na última semana, o atacante foi afastado da equipe do Santos para se dedicar ao tratamento de depressão. Porém, o surgimento de distúrbios emocionais em atletas é algo tão frequente quanto lesões em campo. Numa pesquisa feita em 2015 pelo Sindicato Internacional de Futebolistas Profissionais, o FIFPro, 38% dos jogadores de futebol apresentam sintomas de depressão e/ou ansiedade.

Contratado em julho, o atacante Nilmar teve poucas oportunidades com a camisa do Santos. Atuou somente alguns minutos nas partidas contra Coritiba e Cruzeiro, e nem foi relacionado para o clássico contra o Corinthians no começo do mês. No último sábado (16), veio a confirmação de que ele ficaria afastado do clube para poder se tratar.

Na opinião do Dr. Rodrigo Scialfa Falcão, especialista em psicologia do esporte, o surgimento de distúrbios emocionais em jogadores geralmente está ligado ao seu começo da carreira, quando o garoto praticamente é privado da vida para conseguir seu espaço no concorrido mundo do futebol.

“Talvez o esporte, ou o futebol especificamente, acaba deixando os atletas e as pessoas um pouco mais vulneráveis a esse tipo de transtorno emocional. Os atletas de futebol acabam pulando etapas da vida. Um exemplo é quando são adolescentes, muitos deles ficam concentrados, evitam sair, esses tipo de coisas que pessoas comuns fazem. A vida de atleta exige esses sacrifícios”, declarou o psicólogo em entrevista exclusiva à Jovem Pan, que apontou outros motivos que acabam gerando um quadro de depressão entre os atletas.

“Existe a pressão por resultados, a distância da família, a exposição na mídia, várias coisas que podem propiciar isso. Até os próprios treinamentos, a concorrência, a competitividade. A competição, até certo ponto, ela é sadia, mas pode chegar num nível em que vira algo ruim. Vários fatores podem levar um atleta à depressão, até questões genéticas”, apontou o psicólogo.

Além de Nilmar, outro jogador que também passou por um quadro de depressão foi seu companheiro de Santos, Thiago Ribeiro. O atacante passou por dois anos de tratamento, porém sem precisar se afastar dos times em que atuou. Além da posição e do diagnóstico clínico, Nilmar e Thiago Ribeiro carregam em comum uma sequência de lesões, que os prejudicaram a manter o alto nível nos últimos anos.

“Provavelmente este histórico de lesões deve ser um dos fatores. O Nilmar surgiu como uma grande esperança e talvez não tenha se concretizado do jeito que as pessoas esperavam.  Até ele esperava ser um craque, um jogador de mais alto nível. Com certeza, esse quadro de lesões e o passado dele podem ter influência sim”, apontou Dr. Rodrigo.

Heuler Andrey / Dia Esportivo / Estadão Conteúdo

Pós-aposentadoria

A pesquisa da FIFPro apresenta outro número preocupante sobre a saúde emocional dos jogadores que já “penduraram as chuteiras”. Apesar de os casos de depressão cair de 38% para 35%, a quantidade de jogadores que apresentam sintomas de estresse e ansiedade sobe de 15% para 18% entre atletas aposentados. 

“Tem uma questão biológica ai. A pessoa treina todo dia e o corpo acaba ‘viciando’ nas substâncias e quando você pára abruptamente, o corpo vai sentir falta disso. Além do mais, os atletas têm metade de uma vida pela frente para seguir outra profissão. Eles precisam achar algum sentido nesse pós. Os jogadores não se preparam para o término. Tem vários que arrastam a carreira, não sabem a hora certa de aposentar. Alguns acabam tendo um fim de carreira melancólico justamente por não saber o que fazer depois”, afirmou o psicólogo.

Preconceito

Mesmo sendo comum, como já provado pela pesquisa do FIFPro, a depressão e até mesmo a presença de psicólogos é um tabu no meio do futebol. Os motivos são semelhantes aos encontrados entre a população em geral: o preconceito e a falta de informação.

“As pessoas ainda têm aquele estigma de que psicologia é para louco, para quem tem problemas sérios. Mas não é, a psicologia é para todo ser humano. Não só para tratar doenças, mas também para se desenvolver. E o foco da psicologia do esporte é justamente esse. Ela deveria ser encarada mais como um auxiliar para desenvolver o atleta, suas habilidades psicológicas, o lado emocional e, consequentemente, prevenir essas questões de transtornos emocionais. Esse deveria ser o trabalho do psicólogo do esporte nos clubes, que é muito pouco valorizado”, afirmou Dr. Rodrigo.

Por outro lado, Dr. Rodrigo observa com otimismo como o episódio envolvendo Nilmar e a postura adotada pela diretoria do Santos pode significar uma mudança de atitude entre outros atletas e clubes.

“O Santos tomou uma boa medida, dar respaldo para o atleta, ajudá-lo a encontrar uma solução. Quando se investe nisso se evita prejuízos futuros. O Nilmar vai poder voltar a jogar se ele se tratar, inclusive em alto nível. Eu espero que isso abra um pouco a cabeça dos atletas, dos dirigentes e dos treinadores porque infelizmente ainda existe muito preconceito com a psicologia”, declarou.

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