Auxílio emergencial: quando volta e quais as consequências da retomada do benefício
Confirmação de novas rodadas traz mais dúvidas do que esclarecimentos; origem do dinheiro e contrapartidas de controle de gastos são vistos como prioridades
O governo federal cedeu à pressão do Congresso, e a renovação do auxílio emergencial não é mais uma questão de se, mas de quando. Agora, equipe econômica e membros do Legislativo sentam à mesa para aparar uma série de pontas soltas: qual será o valor das parcelas? Quantos brasileiros serão contemplados? Por quanto tempo o benefício será estendido? Quais os critérios para receber o pagamento? Ao mesmo tempo que discutem os parâmetros técnicos do benefício, uma questão em particular paira sobre a cabeça de governistas, oposição e, principalmente, do mercado financeiro: de onde vai surgir o dinheiro? A pergunta não vale um milhão de reais, mas é fundamental para evitar a disparada da já trilionária dívida pública, além de sinalizar aos investidores que o governo brasileiro está comprometido em manter a responsabilidade fiscal.
Em linhas gerais a expectativa é que a nova rodada do benefício seja de R$ 200 a R$ 250, com duração de três a quatro meses, para aproximadamente 32 milhões de brasileiros. As condições estão bastante reduzidas em relação à transferência de R$ 1,2 mil a R$ 300 para quase 65 milhões de pessoas entre abril e dezembro de 2020. Segundo contas da equipe econômica, a medida consumiu R$ 320 bilhões, enquanto a nova versão deverá custar entre R$ 20 bilhões e R$ 30 bilhões. O governo federal já se mostrou disposto a reabrir a porta do cofre, desde que receba em troca a aprovação pelo Congresso de medidas de austeridade fiscal. O sinal verde foi dado nesta sexta-feira, 12, após encontro entre o ministro da Economia, Paulo Guedes, com os presidentes do Congresso. “O auxílio tem que ser endereçado da maneira correta e que não pareça manipulação. Existem formas para isso, e o governo precisa se esforçar. O capital político tem se mostrado baixo. Apesar da vitória de aliados no comando da Câmara e Senado, há dificuldade de interlocução com o Congresso, e é necessário melhorar isso para colocar em contrapartida as PECs que melhorem as condições do orçamento público”, afirma Camila Abdelmalack, economista-chefe da Veedha Investimentos.
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) admitiu pela primeira vez nesta quinta-feira, 11, que o benefício deve ser liberado em março, com duração de até quatro meses, e condicionou a volta do pagamento ao fim de medidas de isolamento social. “Não basta apenas conceder mais um período de auxílio emergencial, o comércio tem que voltar a funcionar. Tem que acabar com essa história de fecha tudo. Devemos cuidar dos mais idosos e quem tem comorbidade, o resto tem que trabalhar”, afirmou. Por outra frente, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tem repetido que o benefício terá três meses de duração, mas não crava quando ele será iniciado nem o seu valor. O chefe da equipe econômica garantiu que o governo federal tem dinheiro para cobrir o benefício, mas pede em troca a aprovação de uma nova versão da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de Guerra. O texto original, que foi aprovado pelo Congresso no ano passado, entregava uma espécie de cheque em branco para que o governo gastasse sem interferir no teto de gastos, a regra fiscal que limita os custos da União ao orçamento do ano anterior, corrigido apenas pela variação da inflação. Para o ministro, a nova versão deve virar uma cláusula em outra PEC, a do Pacto Federativo, que, entre outros temas, tira amarras do orçamento e cria gatilhos para controle de gastos. “Não vai faltar dinheiro para o auxílio emergencial, nós temos esse dinheiro. Mas precisamos de uma PEC de Guerra que nos autorize primeiro. E, segundo, precisa estar embutido em um compromisso de responsabilidade fiscal.”
Apesar de Guedes ser enfático na via de mão dupla, a medida levou um tempo para virar consenso entre os parlamentares. Até quinta-feira, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmava que a nova rodada de pagamentos não deveria trazer riscos ao teto de gastos, mas tampouco necessitava da aprovação de propostas do governo para controle de gastos. “As PECs caminharão independente disso. Agora, é lógico que elas são um subsídio importantíssimo de sinalização de uma estabilização econômica, social, de destravamento do crescimento do Brasil, e isso impacta diretamente no humor, na economia e na facilitação dos temas como o auxílio ou a criação de um novo programa. O auxílio seria transitório até chegarmos neste ponto”, afirmou. Já o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), afirmou nesta sexta-feira, 12, a necessidade de haver uma cláusula de calamidade pública na PEC do Pacto Federativo, para “fazer a flexibilização necessária para que haja o auxílio emergencial no Brasil.”
O posicionamento do Congresso nos últimos dias caiu pessimamente no mercado financeiro, que enxergou motivos para desconfiar do compromisso fiscal do governo. O mau humor foi externado com fortes oscilações no Ibovespa, o principal índice da Bolsa brasileira, e fortalecimento do dólar. Diante da repercussão dos índices acionários, Bolsonaro mandou um recado ao mercado financeiro na sua live semanal desta quinta-feira. “Então vamos deixar de ser irritadinho que não vai levar a lugar nenhum, estamos buscando soluções. Uma das maneiras de diminuir o combustível é se o dólar cair aqui dentro, mas qualquer negocinho, qualquer ato na imprensa, está esse mercado nosso irritadinho. Sobe o dólar, todo mundo perde com isso, pessoal”, disse. Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, afirma que o posicionamento do inquilino do Alvorada aumenta a fervura em torno do auxílio emergencial e lembra que o governo leva a pior quando bate de frente com o mercado. “O Executivo sempre perdeu quando fez esse cabo de guerra, especialmente por conta da questão fiscal. Desta forma, o câmbio fica pressionado, a Bolsa não reage, volta o cenário de inflação, e o Banco Central precisa ser mais agressivo na taxa de juros”, afirma.
Além do formato do benefício, analistas questionam a sua eficácia e necessidade. A primeira versão do auxílio emergencial começou a ser distribuída em abril, no auge da crise gerada pela pandemia do novo coronavírus. À época, o pagamento foi endereçado aos mais vulneráveis, sobretudo os informais que perderam a fonte de renda com as medidas de isolamento social. Para Vale, a nova versão não deve repetir os mesmo erros de 2020. “O benefício é necessário, e muita gente está precisando. Mas deve ser mais focado e não ter aquela quantidade de dinheiro tão grande distribuída para quem não precisa”, afirma. O intuito da nova rodada também suscita incertezas. Indicativos econômicos, sobretudo a disparada da inflação para 4,52% em 2020, não deixam dúvidas dos efeitos que o benefício teve no consumo dos brasileiros, mas não deve fazer com que o auxílio seja visto como medida para estímulo econômico. “Houve o aumento do varejo no ano passado, mas isso também foi resultado de famílias que não receberam auxílio e gastaram com bens o que seria destinado para os serviços. Com essa nova rodada, é muita presunção achar que será uma injeção fiscal na economia. Ela serve apenas como caráter assistencialista para a população mais pobre”, afirma Abdelmalack, da Veedha.
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