Mercado de trabalho no pós-pandemia terá salários menores e crescimento de vagas informais

Apesar da redução da taxa de desemprego esperada para o segundo semestre com a imunização, brasileiros deverão ter dificuldades para encontrar empregos qualificados até o fim de 2022

  • Por Gabriel Bosa
  • 02/05/2021 08h00
Márcio Fernandes de Oliveira/Código Imagem/Estadão Conteúdo Vacinação em massa e reformas estruturantes são apontadas por especialistas como os principais meios de estimular a criação de emprego no país Apesar do surgimento de novas vagas, cerca de 11% das pessoas contratadas temporariamente devem ser efetivadas segundo dados da CNC

O arrefecimento da pandemia do novo coronavírus esperado para o segundo semestre deste ano, caso os planos de vacinação sejam cumpridos, deve trazer um alívio ao mercado de trabalho pressionado por 14,4 milhões de desempregados. Entretanto, o brasileiro encontrará vagas precarizadas por salários menores e características de ocupações informais, como a ausência de direitos trabalhistas e sem horário e dias regulares. A retomada do emprego pleno ainda não é algo que se prospecta no horizonte. Apesar das medidas de restrição impostas pela crise sanitária terem aumentado o fosso da desocupação, o país já vinha de uma situação econômica bastante delicada e que se agravou com os gastos ao combate à pandemia. A situação de empregos com baixa qualidade deve se estender até ao menos o fim de 2022, segundo Juliana Inhasz, economista e professora do Insper. “Não será um emprego que o trabalhador gostaria de ter, nem o tipo que a economia precisa para crescer. O brasileiro vai ter um salário menor do que ele teria em condições normais ou abaixo da sua qualificação, além de não ter muita segurança trabalhista, como 13º salário, férias”, afirma.

A precarização do trabalho formal faz parte do ciclo da crise econômica e já foi observado em outros momentos recentes da história. A disparada do desemprego causada pelo fechamento de empresas, comércios e da desaceleração da produção industrial é o primeiro sintoma da piora da situação econômica, e é por esta fase que o Brasil passa neste momento. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados na sexta-feira, 30, mostraram que a taxa de desemprego no país chegou a 14,4% no trimestre encerrado em fevereiro, ligeiramente abaixo do pico de 14,6% registrado em setembro do ano passado. O índice de subutilizados, ou seja, pessoas que trabalham menos do que gostariam, chegou a 29,2%, um contingente de 32,6 milhões de brasileiros. “Toda a recuperação de crise é natural que primeiro sejam criadas vagas informais e intermitentes [sem jornada regular]. Entre 2017 e 2018, foi assim, até que em 2019 estávamos ensaiando uma recuperação no mercado formal”, afirma Renan Pieri, economista e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV). Essa transição do desemprego para o emprego de baixa qualidade é justificada pela falta de confiança dos responsáveis pela criação das vagas de trabalho — empresários, lojistas, industriais, entre outros — na retomada da economia. “Esse tipo de emprego gera menos riscos para o empregador. Ele não sabe se a demanda vai crescer, se vai precisar enfrentar um novo período de restrição para o funcionamento. Tudo isso faz com que a criação de emprego seja postergada até o que o cenário fique mais claro.”

Depois de um primeiro trimestre frustrado pela disparada recorde do caso de mortes e infecções pelo novo coronavírus e a letargia para a vacinação em massa, analistas do mercado jogaram as perspectivas de recuperação da economia para o segundo semestre. Dados do Boletim Focus, que reúne as expectativas de economistas e entidades, revisou timidamente para cima a projeção de alta do Produto Interno Bruto (PIB) em 2021 de 3,04% para 3,09%, o primeiro sinal positivo depois de uma sequência de cortes. Apesar da indicação de otimismo, ainda não é certo qual a velocidade do impacto dessa mudança no mercado de trabalho. Porém, é possível afirmar que não será algo imediato, e que até lá o país deve lidar com o aumento da “geração nem-nem”, como são chamados os jovens que estão fora do mercado de trabalho e do sistema de ensino. “Há um problema estrutural com muita gente desempregada e sem completar nem o ensino médio. Com o desemprego prolongado e baixa qualificação, o surgimento dessa ‘geração nem-nem’ será o principal efeito ao país”, afirma Pieri.

A otimização da máquina pública e soluções para o “manicômio tributário” proposta pela agenda de reformas, além da consolidação do ritmo de imunização contra a Covid-19, são apontadas como os principais caminhos para a volta da geração de empregos com qualidade. “Há perspectiva do aumento da circulação de pessoas com a vacinação em massa, mas não se pode esquecer que o Brasil entrou na pandemia em uma situação delicada, que ficou ainda pior. Nós continuamos tendo em cima da mesa os mesmos problemas de 2020”, diz Juliana, do Insper. “Só vamos conseguir crescer de fato quando resolver esse problema estrutural. Só teremos solidez no emprego quando os investidores verem que terá quem compre os seus produtos, e para as pessoas terem renda, é preciso ação do governo.” Segundo Pieri, da FGV, o ritmo da vacinação nas próximas semanas será um bom indicativo desse empenho do poder público. “Se fazer como nos Estados Unidos e acelerar esse processo, podemos esperar a recuperação do mercado de trabalho em breve. A retomada que tivemos no segundo semestre do ano passado, apesar de não repôr as vagas perdidas, mostra que se haver sinais de normalidade, a economia consegue gerar empregos.”

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