Senador americano dispara que dupla cidadania é risco à lealdade: ‘Escolha um país ou perca o passaporte’
Proposta em Washington reacende debate sobre identidade nacional e pode atingir milhões; críticos dizem que medida beira caça às bruxas
Em Washington, o clima esquentou. O senador Bernie Moreno (R-Ohio) colocou na mesa o Exclusive Citizenship Act of 2025, projeto que promete balançar não apenas o Congresso, mas a vida de milhões de cidadãos americanos: quem tiver cidadania dos Estados Unidos e de outro país será obrigado a abrir mão de uma delas. Se não escolher, perde automaticamente a cidadania americana.
Moreno defende que ser americano exige “lealdade exclusiva” e que a dupla cidadania abre margem para conflitos de interesse. O texto do projeto determina um prazo de um ano para que o cidadão renuncie oficialmente à outra nacionalidade. Caso não o faça, passa a ser tratado como estrangeiro comum pelo governo americano, sem direitos políticos e sem o passaporte dos EUA.
Hoje, a legislação dos Estados Unidos permite dupla cidadania sem perda automática do status americano. Estima-se que milhões de norte-americanos tenham duas nacionalidades — números imprecisos porque não existe banco de dados oficial que contabilize quem mantém dupla cidadania.
O interesse por novos passaportes cresceu nos últimos anos, com consultorias internacionais relatando aumento consistente de pedidos desde 2020. A própria imigração americana segue forte: só em 2024, cerca de 818.500 pessoas foram naturalizadas, ampliando o universo de cidadãos potencialmente afetados por mudanças desse tipo.
A proposta toca em um ponto sensível para milhões: identidade familiar, memória cultural, laços afetivos e até patrimônio no país de origem. Para descendentes de imigrantes, manter a segunda cidadania significa preservar raízes, história e vínculos que não desaparecem ao atravessar fronteiras. Para outros, representa mobilidade internacional, segurança jurídica e a possibilidade de viver, trabalhar ou estudar em mais de um país.
Especialistas alertam que a medida cria instabilidade jurídica. Sem um sistema estruturado para identificar quem tem dupla cidadania e sem dados oficiais precisos, há risco concreto de erros administrativos, perda indevida de direitos e desigualdade no processo. Quem tem recursos financeiros para lidar com burocracias, advogados e consulados navega melhor por essas exigências. Quem tem menos acesso enfrenta insegurança maior e risco de penalização sem total compreensão das regras.
A proposta também tem forte símbolo político. Ela surge em um momento de endurecimento nas políticas migratórias e de maior pressão por discursos nacionalistas dentro dos EUA. O projeto divide opiniões: para grupos mais conservadores, representa uma defesa da soberania e da identidade nacional. Para críticos, é uma guinada ideológica que vê cidadãos com raízes estrangeiras como potenciais suspeitos, criando um ambiente de desconfiança entre naturalizados, imigrantes e seus descendentes.
Há também a dimensão jurídica: a jurisprudência tradicional da Suprema Corte exige intenção clara e voluntária de renunciar à cidadania para que ela seja perdida. Isso coloca o projeto de Moreno em possível rota de colisão com decisões históricas do tribunal, abrindo espaço para contestações constitucionais caso a proposta avance.
Se o projeto for aprovado, a mudança não será apenas administrativa. Ela representa um reposicionamento de identidade nacional. É a tentativa de impor uma cidadania “monolítica” em um país cuja história foi construída por camadas de imigração, múltiplas identidades e pluralidade cultural. Obrigar alguém a abandonar uma nacionalidade é, na prática, pedir que renuncie a laços familiares, culturais e afetivos que fazem parte de sua formação. A medida também introduz desigualdade ao penalizar mais duramente quem tem menos recursos para se adequar às exigências.
Em um mundo em que 76% dos países aceitam dupla cidadania, a proposta coloca os Estados Unidos em sentido oposto ao movimento global. Ao eliminar a possibilidade de múltiplas identidades legais, o país arrisca afastar cidadãos altamente qualificados, restringir mobilidade e criar um ambiente de incerteza para milhões de famílias.
À proposta não é apenas sobre passaportes. É sobre pertencimento, sobre quem os Estados Unidos consideram plenamente americano e sobre o poder do Estado de definir a identidade de seus cidadãos. A discussão, se avançar, promete ser uma das mais contundentes dos próximos anos no debate sobre imigração e direitos civis nos EUA.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.


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