Pacientes com tipo de câncer raro enfrentam dificuldades para ter acesso ao tratamento durante a pandemia

A demora para iniciar ou a interrupção podem provocar arritmias malignas, insuficiência renal, anemia, fraturas ósseas e excesso de cálcio no sangue

  • Por Jovem Pan
  • 21/09/2020 10h27
Reprodução Reprodução O tratamento do mieloma múltiplo é feito em duas etapas: primeiro, a quimioterapia para "limpar" a medula espinhal

Em agosto, o compositor Antônio Freire, de 70 anos, descobriu que está com mieloma múltiplo, um câncer raro no sangue que pode gerar complicações ósseas e renais. Antes do diagnóstico ele deu entrada no Pronto Socorro do Ipiranga, em São Paulo, com dores no tronco e nas juntas, e voltou pra casa com uma suspeita de pedras nos rins e uma receita de anti-inflamatório. Após insistência por uma investigação mais profunda e a segunda opinião de uma hematologista conhecida da família, Antônio foi à Santa Casa de São Paulo buscar tratamento para as dores intensas que sentia.

O filho do compositor, Rodolfo Gomes, relatou descaso no atendimento do pronto-socorro e dificuldade para conseguir internação na Santa Casa. “Essa primeira recepção a gente ficou bastante contrariado porque, para gente, parecia que faltava alguma coisa. E a gente observa isso. Um casal negro, de terceira idade, não recebe nem as informações básicas. A equipe médica conversou com a gente, mas nos dois primeiros dias ele ficou em uma sala de medicação.”

De acordo com uma pesquisa da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia, 37% dos pacientes com mieloma múltiplo na América Latina estão com dificuldade de acesso ao tratamento por causa da pandemia da Covid-19. Os principais problemas são conseguir consulta com um especialista, instalações, distância dos hospitais e transporte. Quase todos esses obstáculos foram enfrentados pela Catiucia Betim, diagnosticada com a doença em março.

Ela, que mora em Pelotas, foi até Porto Alegre atrás do tratamento. Mas, chegando lá, descobriu que o atendimento estava paralisado e voltou pra cidade de origem. Depois de várias idas ao pronto-socorro para tomar morfina, Catiucia foi internada. “Até que um dia, a noite, eu urrava de dor. Muita dor, não tinha dormir. Fui de manhã para o PS e o médico disse que eu precisava internar para fazer o tratamento. Em pesquisa lá dentro, eles descobriram que o tratamento tava parado em Pelotas.”

O tratamento do mieloma múltiplo é feito em duas etapas: primeiro, a quimioterapia para “limpar” a medula espinhal e um transplante com células-tronco saudáveis do próprio paciente. Os portadores da doença, que não são elegíveis para isso, devem fazer tratamento contínuo. A demora para iniciar ou a interrupção podem provocar arritmias malignas, insuficiência renal, anemia, fraturas ósseas e excesso de cálcio no sangue. O onco-hematologista da Beneficência Portuguesa, Breno Gusmão, afirma que há formas de adaptar o tratamento durante a pandemia. “Adaptações dos remédios que podíamos espaçar um pouco, para não perder eficácia, substituindo tratamento orais. Hospitais colapsados fizeram um gabinete de crise que tinha que usar os próprios médicos da Oncologia para ajudar no contexto do Covid-19.”

O compositor Antônio Freire fez uso de canabidiol recentemente e está se sentindo um pouco melhor, mas o quadro ainda é delicado. Em nota, a Santa Casa disse que seu Antônio “permaneceu em um leito do Pronto-Socorro e assim que houve a liberação do leito na enfermaria ele foi transferido”. Três meses depois do diagnóstico, Catiucia Betim deu início à quimioterapia na Fundação de Apoio Hospitalar da Universidade Federal de Pelotas e as dores diminuíram. Em nota, a Universidade Federal de Pelotas disse que a demora “pode estar relacionada ao atendimento ambulatorial com hematologista” e afirmou que “não houve por parte do Hospital Escola atraso ou paralisação nos procedimentos realizados” e nem o afastamento de profissional da especialidade.

*Com informações da repórter Nanny Cox

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