Priorizar o recapeamento de vias é um erro que afeta a saúde e a vida do cidadão

Pessoas não se deslocam para cá e para lá como partículas em movimentos sem propósito; caminhar com qualidade, locomover-se pelas ruas das cidades exige bem mais do que reformar e requalificar calçadas

  • Por Helena Degreas
  • 05/07/2022 10h00 - Atualizado em 05/07/2022 11h26
Arquivo Pessoal/Helena Degreas Foto de via de São Paulo Caminhar com qualidade, locomover-se pelas ruas das cidades exige bem mais do que reformar e requalificar calçadas

Venho me esforçando a escrever assuntos que apresentem as boas práticas na gestão da coisa pública no território brasileiro com o objetivo de apresentar ao leitor um fio de esperança quando se trata da aplicação de recursos orçamentários municipais na melhoria da infraestrutura que atende a população. Repentinamente, sou atropelada pela realidade do dia a dia. Basta ler as novidades do dia nos portais de notícia ou beber “direto da fonte” quando se lê os portais digitais da Prefeitura de São Paulo. A imagem que ilustra a coluna me fez lembrar do árduo trabalho de convencimento que conselhos municipais e associações civis, lideradas por uma legião de ativistas e simpatizantes que, como eu, vem sistematicamente batalhando para incutir na “cabeça” de prefeitos, vereadores e demais representantes políticos, a necessidade de revisão da ideia de gestão da manutenção (precária, geralmente) dos espaços públicos destinados ao cidadão, para o de local onde a vida pública se materializa em toda a sua complexidade e plenitude nas dimensões políticas, sociais, culturais e ambientais.

Falta-lhes a compreensão de que seres humanos não se deslocam para cá e para lá como partículas em movimentos sem propósito. Planejar as cidades a partir dos comportamentos e atividades de indivíduos e grupos sociais nos espaços públicos tem como propósitos melhorar o lugar onde a vida social acontece, viabilizar a qualidade relacional entre os cidadãos e a colaborar com a saúde social nas ruas. A zeladoria urbana é parte integrante, mas não é a única. Não são apenas os semáforos, lixeiras e bancos. É como todos os elementos estão projetados para atender as pessoas onde elas estão. Para além do planejamento, as prefeituras deveriam investir em projetos urbanos juntamente com a população que se utiliza da rua e do bairro por exemplo. É o projeto participativo o elemento chave para a construção de ruas, bairros e cidades melhores para se viver.

Ao ler matéria publicada pelo Estadão Blue Studio, do jornal O Estado de São Paulo, de junho de 2022, que destacou o investimento de R$ 1 bilhão para recuperar 5,8 milhões de metros quadrados de ruas e avenidas em projeto de recapeamento pela prefeitura da cidade de São Paulo, lembrei-me dos valores orçamentários empenhados pela municipalidade para a execução do Plano Emergencial de Calçadas (PEC), definidas pela lei 14.675/2008, no valor de R$ 140 milhões para as 32 subprefeituras (2019-2020) com o objetivo de melhorar as condições de locomoção a pé dos cidadãos por meio de reformas e construção nas rotas prioritárias. Para o Plano de Metas 2021-2024, a prefeitura pretende requalificar 2 milhões de metros quadrados de calçadas, previstas pelo PEC, até o final da gestão (2021-2024). Para aqueles que tiverem algum tempo de sobra, recomendo a busca do total de metros quadrados de calçadas que sofreram algum tipo de intervenção pela prefeitura na plataforma “GeoSampa – O Mapa Digital da Cidade”. Busque a camada “Calçadas” e depois, as rotas mapeadas, com obras em andamento e aquelas que já passaram por reformas e requalificação previstas pelo plano de 2019. Tem muito trabalho pela frente vez que a cidade tem cerca de 65 milhões de metros quadrados de calçadas na cidade (dados do portal da prefeitura). Andar a pé não é prioridade na atual gestão.

Caminhar com qualidade, locomover-se pelas ruas das cidades exige bem mais do que reformar e requalificar calçadas. O relatório final Calçadas do Brasil 2019 resultado da pesquisa realizada pelo Portal Mobilize, avaliou as condições de acessibilidade (calçada em si, incluindo a regularidade do pavimento, sua inclinação e largura, a existência de obstáculos e degraus, além da oferta de rampas de acessibilidade e faixas podotáteis); a sinalização para pedestres, considerando faixas de travessia, semáforos e sinais de orientação; o conforto para quem caminha, considerando mobiliário urbano, arborização e paisagismo, pontos de apoio ao pedestre, além da poluição acústica e atmosférica e, por fim, a segurança para o pedestre, com avaliações da velocidade do tráfego e segurança criminal. Os resultados apontam que a média nacional, entre as 27 capitais pesquisadas, ficou em 5,71, média considerada baixa pela pesquisa na qual, a nota mínima aceitável, era 8,0. Com um detalhe: os locais avaliados encontravam-se no entorno de edificações mantidas diretamente pelo poder público, supostamente, mais bem fiscalizadas

Em São Paulo, Grupo de Trabalho de Calçadas da Associação Cidadeapé tem acompanhado de perto a evolução da implantação do PEC – Plano Emergencial de Calçadas pois é pelo estabelecimento das rotas seguras que se constrói a Rede de Mobilidade a Pé da cidade. Em seu artigo “A quantas anda o plano emergencial de calçadas?” publicado em 2021 para o blog da associação, o engenheiro civil Gilberto de Carvalho conselheiro eleito da Câmara Temática de Mobilidade a Pé – CTMP (Secretaria Municipal de Mobilidade e Trânsito de SP), discorre sobre a carência de dados públicos consistentes e transparentes. A prometida consolidação dos totais aplicados na recuperação de calçadas pela prefeitura, apesar de reiteradas solicitações, ainda não foi entregue aos membros da CTMP para a correta avaliação da aplicação dos seus resultados. Também avalia como um erro, a administração do PEC ser realizada pela Secretaria Municipal das Subprefeituras, local sensível às negociações políticas dos prefeitos e que, graças à constante substituição de subprefeitos, mostra-se um local inadequado para a administração de políticas públicas de longo prazo. Para ele, as calçadas são uma espécie de “patinho feio” da zeladoria urbana quando avaliada a verba destinada aos gastos com manutenção e execução com o asfalto. Quando comparado ao investimento de um bilhão de reais para o plano de recapeamento asfáltico, entende-se que ainda hoje a prioridade encontra-se em melhorar a qualidade funcional das ruas e avenidas para o deslocamento suave de veículos motorizados em detrimento daquele realizado por pessoas, pés e cadeiras de rodas sobre as calçadas

Prefeitos de cidades espalhadas pelo mundo vem praticando um urbanismo que está atento ao cotidiano e a forma como a população se relaciona entre seus membros e com o ambiente ao seu redor requalificando ruas e espaços públicos nos quais os elementos apresentados pela pesquisa do Portal Mobilize são planejados para melhorar a saúde e a vida das pessoas como prioridade de gestão pública. O carro motorizado deixa de ser priorizado e, o cidadão, como razão da gestão de políticos eleitos, vê-se representando e acolhido no seu dia a dia pela cidade onde vive.

Tem alguma dúvida ou quer sugerir um tema? Escreva para mim no Instagram: @helenadegreas.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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