Privatizações, reforma tributária e Renda Cidadã: confira as promessas que Guedes não tirou do papel
Em ano marcado pela pandemia da Covid-19, falta de consenso entre equipe econômica, governo federal e Congresso deixa pelo caminho uma série de projetos inacabados e novas promessas para 2021
Na conversa que teve com jornalistas para fazer o balanço de 2020, o ministro da Economia, Paulo Guedes, expôs o seu desconforto com as acusações de que não cumpre as promessas que faz. Em sua defesa, o chefe da equipe econômica afirmou que todos os anúncios sobre a agenda de reformas, privatizações ou medidas que envolvessem a sua pasta foram embasados em acordos e conversas ocorridas nos bastidores. “Falei ‘em 15 semanas vamos mudar o Brasil’. Não mudou nada, teve a pandemia. Agora a mesma coisa. ‘Vamos anunciar em 90 dias as privatizações’, aí descubro que tem acordo político para inviabilizar e não pautar. Aí a conta vem de novo, ‘ele não entrega’. Então estou aprendendo. Resultado. Agora acabou, não prometo mais nada”, explica. Contra Guedes, joga um histórico de muitas expectativas e poucas entregas que não podem ser justificadas apenas pela pandemia do novo coronavírus. Em 2019, no primeiro ano de gestão, o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) conseguiu aprovar apenas a reforma Previdenciária, a primeira de uma série de mudanças que foram prometidas durante a campanha. A Covid-19 foi uma nova fonte de promessas e frustrações da equipe econômica. A criação do Renda Cidadã, que originalmente seria chamada de Renda Brasil, como substituto do Bolsa Família, é o principal exemplo desse bate-cabeça dentro da gestão pública. O projeto teve diversas idas e vindas, chegando ao ponto de Bolsonaro ameaçar demitir quem tocasse no assunto e jogar o nome de Guedes novamente na bolsa de apostas sobre qual auxiliar do presidente será o próximo a desembarcar do governo. As privatizações são um capítulo à parte. Depois de anunciar durante a campanha a arrecadação de R$ 1 trilhão com a vendas de estatais, Guedes chega ao fim do seu segundo ano de trabalho sem passar para frente nenhuma empresa federal. Confira abaixo as promessas feitas pelo ministro para 2020 e em qual situação elas estão agora.
Privatizações
O próprio ministro já afirmou estar “bastante frustrado” por não ter conseguido privatizar nenhuma empresa em dois anos de governo. O anúncio, em novembro, veio com uma série de acusações de que acordos políticos estavam travando a venda das empresas públicas. Primeiro, Guedes apontou o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), por ter feito conchavos com partidos da esquerda para barrar as pautas que focavam na desestatização. Depois, o chefe da equipe econômica deu a entender que membros do próprio governo eram contra a venda de empresas públicas. O auge do descontentamento ocorreu em agosto, quando Guedes classificou como “debandada” os pedidos de demissão dos secretários especiais de Desestatização e Privatização, Salim Mattar, e de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Paulo Uebel. Se durante a campanha Guedes projetava gerar R$ 1 trilhão com a venda de empresas públicas, as últimas perspectivas são mais modestas. Para o próximo ano, o ministro elencou recentemente as vendas da Eletrobras, Correios, Porto de Santos e PPSA — o braço de pré-sal e gás natural da Petrobras — como essenciais. No início de dezembro, o Ministério da Economia havia listado nove empresas na mira das privatizações para 2021.
Reforma tributária e nova CPMF
Considerada por analistas como a prioridade ao governo para destravar a economia pelo seu potencial abrangente de atrair investimentos, a reforma tributária está longe de ser consenso entre o Executivo e o Congresso. Em fevereiro, Guedes afirmou que iria apresentar o texto aos parlamentares dentro de quatro semanas. O período se esticou, e a primeira fatia, que abrangia apenas a junção dos dois tributos federais, PIS e Cofins, em um Imposto de Valor Agregado (IVA), foi encaminhada ao fim de julho. No ato, ao lado dos presidentes das duas Casas, Guedes prometeu que dentro de algumas semanas o governo iria remeter as outras emendas da reforma, que incluiriam mudanças na taxação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a tributação sobre a renda e, por último, a desoneração da folha de pagamento. Até hoje, nenhum outro adendo foi encaminhado. A proposta de criação de um imposto sob transações digitais pode ser apontada como o principal fator para o imbróglio entre governo federal e Congresso. Na concepção de Guedes, o novo tributo, com alíquota de 0,2%, não representa a criação de outro imposto, mas sim a ampliação da base para gerar mais arrecadação. Os críticos pensam de outra forma, e enxergam na medida a volta da CPMF, o tributo sob as operações financeiras que vigorou entre 1997 e 2007. A medida teve idas e vindas, inclusive com o próprio ministro decretando que ela estava morta, para dias depois voltar a tocar no assunto. Diante da falta de consenso, um grupo de deputados se mobilizou para aprovar uma versão própria da reforma tributária imbuída na PEC 45. A principal diferença com a proposta de Guedes é a unificação de cinco tributos (além dos federais, mais os estaduais e municipais) em um único Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Segundo Maia, a proposta já tem os 320 votos garantidos para a sua aprovação. A votação, no entanto, ainda não tem data marcada. Pelo lado do Executivo, auxiliares afirmaram que as etapas complementares serão encaminhadas em 2021.
Reforma administrativa
A mudança no funcionalismo público foi a terceira grande proposta de Guedes durante a campanha de 2018. A medida visa diminuir a oneração do governo federal com os serviços administrativos ao cortar privilégios, mudar regimes de contratação e classificar servidores por categorias com diferentes status. Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ligado ao Ministério da Economia, apontou que o controle de despesas poderia gerar a economia de R$ 816 bilhões em uma década. Assim como a tributária, a reforma administrativa também foi fatiada pela equipe econômica. A primeira parte foi encaminhada em setembro, e logo de cara foi alvo de críticas por deixar os atuais servidores de fora das novas regras. A ausência de membros do Judiciário e do Legislativo entre os grupos afetados pelas mudanças também engrossou o coro de frustração. O texto está parado na Câmara, sem previsão de ser apreciado pelos deputados. Como “prêmio de consolação” pelo marasmo na aprovação da medida, Guedes costuma citar o acordo feito com o Congresso para vetar o reajuste salarial dos servidores até o fim de 2021 como algo positivo e com grandes reflexos para economia dos cofres públicos.
Renda Cidadã
O Renda Cidadã foi anunciado por Guedes como a base para o “pouso suave” a partir de janeiro de 2021 com o término do auxílio emergencial. O programa, que visa substituir e ampliar o Bolsa Família, foi uma constante fonte de dor de cabeça para o presidente, ministro e auxiliares. A ideia original era chamar o benefício de Renda Brasil e entregar para cerca de 22 milhões de brasileiros — aproximadamente 8 milhões a mais dos que recebem o benefício criado pelo governo petista —, algo em torno de R$ 300, valor acima dos R$ 190 pagos pelo Bolsa Família. A grande questão era de onde surgiria esse dinheiro. Bloqueado pelo teto de gastos, o governo federal não podia simplesmente gerar uma nova fonte de despesa sem apresentar a origem. Foi então que se iniciou uma série de anúncios, recuos, puxões de orelha em público e ameaças de demissão. O clima hostil chegou ao ápice em 15 de setembro, quando Bolsonaro afirmou que iria mandar embora do governo quem falasse novamente em Renda Brasil. O recado ecoou como um indicativo de que Guedes era o próximo ministro a desembarcar, possibilidade que o próprio negou no mesmo dia ao afirmar que o “cartão vermelho” não havia sido para ele. Não levou muito tempo para o governo lançar a ideia do Renda Cidadã, e, apesar do novo nome, permaneceram as dificuldades para financiar a empreitada. Técnicos chegaram a anunciar o desvio de recursos do Fundeb e precatórios, mas logo voltaram atrás por causa da enxurrada de críticas. A criação do programa integra a PEC Emergencial, mas o texto ainda está com o relator, senador Márcio Bittar (MDB-AC), que chegou a afirmar que apresentaria a medida neste ano, mas recuou diante da falta de clima no Congresso.
Comentários
Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.