Reformas, polêmicas e rachas: o 1º ano de Bolsonaro na presidência

  • Por Beatriz Manfredini
  • 31/12/2019 07h00 - Atualizado em 31/12/2019 10h16
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Wilton Junior/Estadão Conteúdo

No dia 1º de janeiro de 2019, quando o presidente eleito, Jair Bolsonaro, tomou posse, o que aconteceria no Brasil daquele momento para frente era uma incógnita: havia apenas muita expectativa, principalmente por parte de seus eleitores, de que ele trabalharia em pautas como a reforma da Previdência e contra a corrupção.

Para o cientista político Valdir Pucci, é possível dividir o primeiro ano de governo de Bolsonaro em três aspectos: econômico, ideológico e em relação ao Congresso Nacional. Segundo ele, o maior sucesso da gestão foi no âmbito econômico, mas esses acertos muitas vezes foram ofuscados por “erros graves” tomados a partir do viés ideológico.

“A ala mais ideológica do governo foi o ponto fraco da gestão, com destaque, por exemplo, para a ministra Damares [Alves], Ernesto Araújo e principalmente o Ricardo Salles. A forma com a qual Bolsonaro lidou com as questões ambientais foi muito ruim”, comenta.

Apesar dos problemas de alguns ministros, o cientista político pontua que a própria família do presidente foi “o grande foco de problema ao longo de todo o ano”. “Em especial seus três filhos, que usavam frases ou tinham atitudes polêmicas. Na medida em que o governo ganhava alguma estabilidade com bons feitos, logo em seguida vinha a instabilidade gerada por ações dos filhos. A grande oposição ao governo – uma vez que a oposição real ainda está tentando encontrar um discurso para se opor a Bolsonaro – esse papel de criar problemas para o governo, ficou na mão dos três filhos [Eduardo, Carlos e Flávio].”

Ele também ressalta a atuação “atípica” do Congresso durante 2019. De acordo com Pucci, enquanto a ala ideológica do governo estava muito interessada em discursar e a equipe econômica tocava suas pautas, o Congresso agia por conta própria, tornando-se protagonista das ações políticas. “Há muitos cientistas políticos, por exemplo, que colocam a Previdência como feito do parlamento, e não do governo”, diz.

A Jovem Pan separou aqui os principais acontecimentos do ano em relação ao presidente:

Janeiro

Wilton Júnior/Estadão Conteúdo

Ao falar pela primeira vez como novo chefe do poder Executivo, Bolsonaro adotou o discurso que repetiria em diversas ocasiões ao longo do ano: sua missão de “libertar o povo do socialismo”. Antes dele, porém, quem falou foi a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, que, além de ficar conhecida por quebrar o protocolo, fez história ao discursar em libras.

No mesmo dia, o novo presidente já assinou seus dois primeiros decretos: o que alterou o valor do salário mínimo, que passou de R$ 954 para R$ 998, e a medida provisória de reforma administrativa, que estabeleceu a reestruturação da organização básica dos órgãos da presidência da República e dos ministérios.

O mês também foi marcado pela assinatura do decreto que facilitaria a posse de armas no Brasil, uma das promessas da campanha do capitão reformado, que acabaria fracassando meses mais tarde, e pelo primeiro discurso internacional do presidente, em Davos, na Suíça, durante o Fórum Econômico Mundial, onde ele ressaltou que o país estava, além de aberto economicamente ao mundo, longe de ideologias político-partidárias.

Foi também em janeiro que aconteceu a primeira tragédia com a qual Bolsonaro teria que lidar: o rompimento da barragem de Brumadinho, em Minas Gerais, no dia 25. No dia seguinte, ele sobrevoou a área soterrada pela lama.

Ainda em janeiro, Bolsonaro voltou ao Hospital Albert Einstein para fazer a cirurgia da retirada da bolsa de colostomia, fruto do atentado à faca do qual foi vítima no dia 6 de setembro de 2018, ainda durante a campanha eleitoral.

Fevereiro

Fátima Meira/Estadão Conteúdo

A primeira crise do governo Bolsonaro aconteceu entre os dias 10 e 18 de fevereiro, culminando na exoneração do então ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno – que também foi o presidente nacional do PSL durante as eleições 2018 e uma das figuras mais próximas a Bolsonaro na época.

A suspeita de que o PSL fez uso de candidaturas “laranja” durante as eleições, sendo Bebianno o responsável pelos repasses de dinheiro aos candidatos, foi o pontapé do problema. Ao dizer que não havia crise nenhuma no governo, tentando afastar ruídos, Bebianno foi desmentido pelo filho do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro.

Carlos, inclusive, divulgou áudios de conversas em tom áspero entre Bolsonaro e Bebianno, dando início a uma troca de farpas entre o então ministro e o presidente da República. Dias depois, Bebianno foi exonerado.

Foi também em fevereiro, mais precisamente no dia 20, que Bolsonaro entregou a proposta de reforma da Previdência ao Congresso Nacional e escolheu a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) como líder do governo na Casa.

Março

Alan Santos/PR

No início de março, Bolsonaro se envolveu em uma nova polêmica ao publicar, em sua conta oficial no Twitter, um vídeo obsceno – que não possuia data ou local – e afirmar que ele representava o Carnaval brasileiro. A publicação repercutiu não só no Brasil, como no mundo inteiro, e rendeu muitas críticas ao presidente, que acabou deletando as imagens

Foi também nesse mês que Bolsonaro se encontrou pela primeira vez com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Na data, Trump prometeu que apoiaria a entrada do Brasil na OCDE e Bolsonaro retirou a necessidade de visto para que norte-americanos entrem em terras brasileiras. Também foi assinado um acordo para uso da Base de Alcântara. Depois, o presidente embarcou em viagens para o Chile e Israel.

No fim do mês, Bolsonaro entregou a proposta de reforma da Previdência dos militares ao Congresso. Pouco tempo depois, uma crise entre ele e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), começou quando o parlamentar ameaçou deixar a articulação da reforma por causa de ataques recebidos nas redes sociais pelo vereador Carlos Bolsonaro, dando início a uma série de troca de farpas entre ambos.

Próximo ao aniversário de 55 anos do início da ditadura militar (31 de março de 1964), o presidente propôs que a data fosse comemorada. A intenção foi imediatamente repudiada por diversos setores da sociedade. No dia, o WhatsApp do Palácio do Planalto ainda divulgou um vídeo em defesa do golpe.

Abril

Valter Campanato/Agência Brasil

A exoneração do então ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, aconteceu em abril. Ele foi alvo de fortes críticas durante seu tempo à frente do ministério. Foi durante sua gestão, por exemplo, que 15 membros dos principais cargos da cúpula do MEC pediram demissão. Foi Vélez, também, quem fez uma proposta de filmar crianças em escolas entoando o slogan da campanha de Bolsonaro e quem chamou brasileiros de “canibais”. 

Após tantos ruídos, o chefe da pasta teve sua legitimidade questionada, inclusive, por Bolsonaro, que o substituiu por Abraham Weintraub, que também se envolveria em uma série de polêmicas mais tarde.

Foi também em abril que o presidente Jair Bolsonaro anunciou a implantação do 13º salário para beneficiários do Bolsa Família, além do término do horário de verão em todo o Brasil.

Maio

Marcos Corrêa/PR

Em maio, Bolsonaro assinou um decreto que facilitava o porte de armas – a autorização para andar com uma arma fora de casa – para profissionais como advogados, caminhoneiros e políticos eleitos. O texto permitia que equipamentos que antes eram de uso restrito de polícias e do Exército fossem comprados e usados por civis que cumprirem determinados requisitos, além de ampliar a quantidade de munições que poderiam ser adquiridas por ano.

Mais tarde, o decreto foi questionado por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), considerado ilegal pela Câmara dos Deputados e acabou sendo desidratado.

No mesmo mês, o governo fez os primeiros contingenciamentos nos orçamentos dos ministérios. O mais polêmico, no MEC, foi de R$ 7,4 bilhões, causando manifestações nas ruas de todo o país. O problema se agravou quando Bolsonaro chamou os manifestantes de “idiotas úteis que estão sendo usados como massa de manobra”.

Junho

Alan Santos/PR

Junho trouxe a terceira exoneração do governo: desta vez, Bolsonaro decidiu pela saída do ministro da Secretaria de Governo da Presidência da República, general Carlos Alberto dos Santos Cruz. No mesmo mês, Joaquim Levy, então presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), pediu demissão após Bolsonaro ameaçar demiti-lo por ele ter nomeado o advogado Marcos Barbosa Pinto, presidente do banco de fomento durante o governo do ex-presidente Lula, ao cargo de diretor de Mercado de Capitais.

Ao mesmo tempo, o site The Intercept Brasil divulgava as primeiras conversas vazadas e atribuídas principalmente ao ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, e ao procurador da Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol. Bolsonaro, que descobriu também ter tido seu celular hackeado, trabalhou para fortalecer Moro dentro do governo.

Enquanto isso, o governo conseguiu aprovar o projeto de liberação da posse de arma em propriedades rurais, teve um militar da Força Aérea Brasileira (FAB) preso, na Espanha, por levar 39 quilos de cocaína em um avião da comitiva do presidente e comemorou o acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia (UE).

Julho

Valter Campanato/Agência Brasil

No dia 1º, a Polícia Federal indiciou sete pessoas por participação no suposto esquema de candidaturas laranjas do PSL em Minas Gerais – entre elas, um assessor especial e dois ex-auxiliares do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio. Mesmo com a denúncia e o histórico de exonerações, Bolsonaro decidiu manter Marcelo no cargo.

No mesmo mês, o presidente foi protagonista de outras três atitudes polêmicas: confirmou a indicação de seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro, para o cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos – questão que seria deixada de lado mais tarde, após críticas dos mais diversos setores da sociedade e uma disputa interna no PSL  -; ameaçou fechar a Agência Nacional do Cinema (Ancine) e declarou que não existiam pessoas passando fome no Brasil.

Foi também em julho que o governo decidiu liberar o saque imediato de R$ 500 das contas do FGTS, além de criar o saque-aniversário, e que a crise na Amazônia teve início. No dia 25, o chefe do Executivo criticou os dados do desmatamento divulgados pelo Inpe, em um episódio que terminaria na demissão do diretor do instituto, Ricardo Galvão, no mês seguinte.

Em 29 de julho, Bolsonaro se envolveu em uma nova polêmica ao dizer que sabia como o pai de Felipe Santa Cruz, presidente da Ordem do Advogados do Brasil (OAB), desapareceu durante a ditadura militar.

Agosto

Luis Macêdo/Câmara dos Deputados

Insistindo na narrativa de que os dados do desmatamento divulgados pelo Inpe eram mentirosos, logo nos primeiros dias de agosto, Bolsonaro exonerou Ricardo Galvão da diretoria do órgão.

A demissão, no entanto, seria apenas o início da crise sobre a floresta amazônica. Depois vieram algumas declarações que dominaram a imprensa, como quando o presidente sugeriu a um repórter que “fazer cocô dia sim, dia não” seria uma solução para a preservar o meio ambiente e acusou ONGs de serem coniventes e até mesmo responsáveis pelas queimadas no local.

O problema ganhou ares internacionais ao ser comentado pelo presidente da França, Emmanuel Macron. A troca de insultos entre os dois chefes de Estado foi extensa: Bolsonaro acusou Macron de usar politicamente a floresta brasileira e chegou a chamar a esposa do francês, Brigitte Macron, de feia, causando repercussão mundial.

No mesmo mês, a proposta de reforma da Previdência foi aprovada na Câmara dos deputados e o PSL expulsou o deputado Alexandre Frota. Após a saída do parlamentar, Bolsonaro pediu que o partido cultivasse um “filtro ideológico”.

Setembro

Reprodução/Twitter

O mês começou com a indicação de Augusto Aras para Procurador-Geral da República (PGR) e uma nova cirurgia de Bolsonaro que, desta vez, precisou fazer a retirada de uma hérnia.

Durante a internação, o presidente deu aval para a demissão do secretário da Receita Federal (RF), Marcos Cintra, que ganhou destaque – e a insatisfação da população, autoridades e do próprio Bolsonaro – ao defender a criação de um imposto sobre pagamentos nos moldes da antiga CPMF.

Logo após sua recuperação, o presidente seguiu para a Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), que aconteceu em Nova York. Em seu discurso, ele apresentou aos chefes de Estado um “novo Brasil”, “livre do socialismo”, criticou o Mais Médicos e defendeu a soberania brasileira sobre a Amazônia.

No mesmo mês, ele sancionou a lei da liberdade econômica e celebrou a queda, em seus nove primeiros meses de governo, de 22% das mortes violentas em todo o país.

Outubro

Divulgação/PSL

Em outubro, uma fala de Jair Bolsonaro foi o pontapé inicial para uma crise dentro do PSL. Em um vídeo gravado por um apoiador, o presidente foi flagrado criticando o presidente do partido, Luciano Bivar (PSL-PE), e chamando-o de “queimado”.

A briga dividiu os parlamentares da legenda entre bivaristas e bolsonaristas – os últimos começaram a considerar, no dia 13, a saída da sigla. Bolsonaro também confirmou que poderia deixar o PSL, e pediu para que a “caixa-preta” do partido fosse aberta.

A confusão culminou na saída da deputada Joice Hasselmann – que ficou do lado bivarista – da liderança do governo no Congresso. A troca de Hasselmann aconteceu após ela ter apoiado a permanência do Delegado Waldir na liderança do PSL na Câmara, e não a entrada de Eduardo Bolsonaro. Relembre a crise.

Também nessa época, a reforma da Previdência foi aprovada pelo Senado Federal e o capitão reformado postou um vídeo em sua conta no Twitter em que se coloca como um leão sendo rodeado e atacado por diversas hienas, cada uma representando uma instituição que estaria contra ele. Para reverter a situação, ele precisou se desculpar com o STF, por exemplo, pelo episódio.

Ainda em outubro, uma matéria veiculada pela TV Globo mostrou que o porteiro do condomínio onde Bolsonaro mora afirmou, em depoimento, que o acusado de matar a ex-vereadora Marielle Franco (PSOL) havia comparecido à casa de Bolsonaro no dia do crime.

Revoltado com a acusação, que foi desmentida posteriormente, o presidente chegou a ameaçar não renovar concessão da Globo e também começou uma briga com o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, quem Bolsonaro acusou de envolvimento com o caso Marielle para prejudicá-lo.

Novembro

Estadão Conteúdo

Após um mês de brigas com Bivar e o PSL, Bolsonaro anunciou sua saída da sigla em novembro. Ele também iniciou a criação do seu próprio partido, o Aliança Pelo Brasil, e começou a trabalhar pela nova sigla – agora, o presidente batalha para conseguir conquistar as assinaturas necessárias para a abertura da legenda podendo, assim, fazer com que o Aliança concorra nas eleições municipais de 2020.

No mesmo mês, o ex-presidente Lula saiu da cadeia após ser beneficiado por uma decisão do STF. Logo que saiu da prisão, o petista fez discursos de ataque ao atual governo. Bolsonaro evitou devolver as críticas, mas chegou a atacar Lula também.

No dia 26, Bolsonaro confirmou a desistência de indicar seu filho, Eduardo, ao cargo de embaixador do Brasil nos EUA e enviou o nome do diplomata Nestor José Forster Junior.

Dezembro

Reprodução/Instagram

O presidente encerrou o ano também envolvido em uma polêmica, dessa vez com a ativista sueca Greta Thunberg, de 16 anos. Ao ser questionado sobre o assassinato de dois índios no Maranhão, Bolsonaro chamou a jovem de “pirralha”. Ela respondeu às críticas e mudou seu nome para “Pirralha” nas redes sociaisTambém em dezembro, ele respondeu às acusações de que um de seus filhos, Flávio, estaria envolvido em um esquema de “rachadinha”. Bolsonaro afirmou que “não é juiz” para saber se o filho é inocente

Antes do fim do ano, o presidente da República ainda prometeu vetar o fundo eleitoral, mas recuou quando foi avisado que esse veto poderia resultar em um impeachment; sancionou o pacote anticrime de Moro; assinou o decreto do indulto de Natal e; na véspera da data, sofreu um acidente doméstico no Palácio do Planalto, quando caiu em um dos banheiros da residência.

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